O Diário do Vagamundo Kid:

OS PEIXES CAEM DO CÉU

Acabou de chover. Caminho pelas quadras do Cruzeiro com um amiguinho que já não me lembro o nome.

Vejo um peixinho morto no chão.

Seguro ele na minha mão e o moleque, olhando a cena, diz:

- Você sabia que os peixinhos caem do céu?

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A BONECA QUEIMADA

Moleque se assusta fácil.

Derreti o rosto de uma das bonecas da minha irmãzinha para assustá-la.

Mas desisti!

Eu que, no final das contas, não consegui mais dormir; ainda hoje sonho com o rosto da boneca queimada.

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MÃO DE FOGO

Quando tinha blecaute nos blocos do Cruzeiro, a molecada corria solta para assustar uma a outra. Testes de coragem eram fundamentais: em um deles, teríamos que enfrentar a ameaça da Mão de Fogo.

A Mão de Fogo pertencia a um fantasma que habitava na lixeira do terceiro andar. Muitos ouviam barulhos e as crianças relatavam terem sido perseguidas por uma mão incandescente pelas escadas do prédio onde morava.

Subimos no escuro.

Meu irmão, o Zé, o Roberto e outros moleques (minha memória está cansada demais para inventar outros nomes) e até o segundo andar estava tudo bem e tudo escuro; mas quando chegamos no terceiro, vimos um brilho, uma luz vindo em nossa direção e o pânico foi geral, cada um caiu em cima do outro e rolamos pelas escadas. Por sorte não nos machucamos; contudo, a luz, na verdade, era de um morador que saiu com uma vela na mão para ver o que os moleques estavam aprontando no corredor no escuro.

É claro que só eu, o Zé, o Roberto, o meu irmão e os outros moleques sabemos disso; para todos os outros meninos que nos desafiaram, aquele encontro acabou com a Mão de Fogo derrotada por nós.

Coisas de menino.

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O PRIMEIRO ECLIPSE

Era o meu primeiro eclipse.

A lua esperava pacientemente a aproximação do galã, que foi chegando sorradeiramente e fazendo a dança do acasalamento. A lua aceitou o convite para a dança e o sol cobriu a lua com o seu brilho e a lua o envolveu em sua sombra.

O céu explodiu em cores mágicas e paralisou um certo neguinho que voltava da escola e nunca tinha visto cena igual.

O Cruzeiro parou; os carros estacionaram; as pessoas para o alto olhavam; até as crianças pararam de brincar e todos olharam para o céu dourado com aquela sombra mágica; e de repente, o menino se deu conta, que já não olhava para o céu, e sim para as pessoas; daí pegou um pedaço de papel, uma caneta e escreveu:

“ No dia em que o Sol casou com a Lua

Toda mundo olhou para cima

Eu olhei para as pessoas”

Foi o meu primeiro poema também.

Talvez não tenha sido exatamente isso que escrevi, mas foi algo assim.

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MEU IRMÃO MAIS VELHO

Meu irmão é o Tom, eu sou o Jerry; ele corre atrás de mim com uma faca na mão; pensando bem, ele deve ser o Jason e hoje é Sexta-Feira 13; eu paro, cansado; ele ameaça me matar, só ameaça; eu peço arrego e digo:

- Tá bem! Eu conto para a Minha Mãe, que fui eu que abri a lata de leite condensado!

- Você aprendeu a correr rápido, moleque! – diz ele rindo. Sei lá, desconfio que além do ódio mortal e da competição natural, meu irmão mais velho me respeita.

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EU ODEIO A MINHA IRMÃ

Desde que a minha irmã chegou, os olhos dos meus pais são todos para ela. Por isso, eu, o Chico Tampa e o Zé Tabaco, odiamos ela tanto. Quero dizer, desde que ela começou a sorrir, o Zé, o irmão mais velho virou a casaca e passou a gostar dela; o mais novo ainda não tem opinião formada, seguiu o Chico e eu fiquei com a minha guerra pessoal, até o dia em que houve aquela chuva.

Caiu o céu e a terra tremia. Faltou luz, e meus pais jogavam alguma coisa que eu não sei bem se era dominó ou baralho na cozinha; quando um relâmpago atingiu em cheio a bananeira que havia em frente do nosso bloco, bem na nossa porta; todos se assustaram, inclusive a Cristina, que começou a gritar, não por minha mãe, não pelo meu pai, ou por meus irmãos, mas pelo meu nome:

- Neguinho! Neguinho!

Corri para o berço, segurei em sua mão e ela voltou a dormir.

Talvez não tenha sido exatamente isso, mas foi algo assim.