O Diário do Vagamundo Kid:
OS PEIXES CAEM DO CÉU
Acabou de chover. Caminho pelas quadras do Cruzeiro com um amiguinho que já não me lembro o nome.
Vejo um peixinho morto no chão.
Seguro ele na minha mão e o moleque, olhando a cena, diz:
- Você sabia que os peixinhos caem do céu?
******************
A BONECA QUEIMADA
Moleque se assusta fácil.
Derreti o rosto de uma das bonecas da minha irmãzinha para assustá-la.
Mas desisti!
Eu que, no final das contas, não consegui mais dormir; ainda hoje sonho com o rosto da boneca queimada.
**************
MÃO DE FOGO
Quando tinha blecaute nos blocos do Cruzeiro, a molecada corria solta para assustar uma a outra. Testes de coragem eram fundamentais: em um deles, teríamos que enfrentar a ameaça da Mão de Fogo.
A Mão de Fogo pertencia a um fantasma que habitava na lixeira do terceiro andar. Muitos ouviam barulhos e as crianças relatavam terem sido perseguidas por uma mão incandescente pelas escadas do prédio onde morava.
Subimos no escuro.
Meu irmão, o Zé, o Roberto e outros moleques (minha memória está cansada demais para inventar outros nomes) e até o segundo andar estava tudo bem e tudo escuro; mas quando chegamos no terceiro, vimos um brilho, uma luz vindo em nossa direção e o pânico foi geral, cada um caiu em cima do outro e rolamos pelas escadas. Por sorte não nos machucamos; contudo, a luz, na verdade, era de um morador que saiu com uma vela na mão para ver o que os moleques estavam aprontando no corredor no escuro.
É claro que só eu, o Zé, o Roberto, o meu irmão e os outros moleques sabemos disso; para todos os outros meninos que nos desafiaram, aquele encontro acabou com a Mão de Fogo derrotada por nós.
Coisas de menino.
*********************
O PRIMEIRO ECLIPSE
Era o meu primeiro eclipse.
A lua esperava pacientemente a aproximação do galã, que foi chegando sorradeiramente e fazendo a dança do acasalamento. A lua aceitou o convite para a dança e o sol cobriu a lua com o seu brilho e a lua o envolveu em sua sombra.
O céu explodiu em cores mágicas e paralisou um certo neguinho que voltava da escola e nunca tinha visto cena igual.
O Cruzeiro parou; os carros estacionaram; as pessoas para o alto olhavam; até as crianças pararam de brincar e todos olharam para o céu dourado com aquela sombra mágica; e de repente, o menino se deu conta, que já não olhava para o céu, e sim para as pessoas; daí pegou um pedaço de papel, uma caneta e escreveu:
“ No dia em que o Sol casou com a Lua
Toda mundo olhou para cima
Eu olhei para as pessoas”
Foi o meu primeiro poema também.
Talvez não tenha sido exatamente isso que escrevi, mas foi algo assim.
******************
MEU IRMÃO MAIS VELHO
Meu irmão é o Tom, eu sou o Jerry; ele corre atrás de mim com uma faca na mão; pensando bem, ele deve ser o Jason e hoje é Sexta-Feira 13; eu paro, cansado; ele ameaça me matar, só ameaça; eu peço arrego e digo:
- Tá bem! Eu conto para a Minha Mãe, que fui eu que abri a lata de leite condensado!
- Você aprendeu a correr rápido, moleque! – diz ele rindo. Sei lá, desconfio que além do ódio mortal e da competição natural, meu irmão mais velho me respeita.
***********************
EU ODEIO A MINHA IRMÃ
Desde que a minha irmã chegou, os olhos dos meus pais são todos para ela. Por isso, eu, o Chico Tampa e o Zé Tabaco, odiamos ela tanto. Quero dizer, desde que ela começou a sorrir, o Zé, o irmão mais velho virou a casaca e passou a gostar dela; o mais novo ainda não tem opinião formada, seguiu o Chico e eu fiquei com a minha guerra pessoal, até o dia em que houve aquela chuva.
Caiu o céu e a terra tremia. Faltou luz, e meus pais jogavam alguma coisa que eu não sei bem se era dominó ou baralho na cozinha; quando um relâmpago atingiu em cheio a bananeira que havia em frente do nosso bloco, bem na nossa porta; todos se assustaram, inclusive a Cristina, que começou a gritar, não por minha mãe, não pelo meu pai, ou por meus irmãos, mas pelo meu nome:
- Neguinho! Neguinho!
Corri para o berço, segurei em sua mão e ela voltou a dormir.
Talvez não tenha sido exatamente isso, mas foi algo assim.