Sons na noite

Estava sem ter o que fazer e quase de forma mecânica olhei para o céu, como se eu fosse consultar as estrelas, percebi que já era tarde na noite, o pouco da cidade que ali se poderia ouvir já se calara, nada parecia urbano naquela casa afastada de tudo.

Então percebi os sons no silencio da noite, sons exclusivos da noite, eles sempre estiveram lá, eu sempre os ouvi.

Quando criança eu ouvia estes sons junto com as presenças que sentia ao meu redor, no escuro do quarto, e os sons da noite estavam lá, aumentando o medo de estar só, não só na verdade, pois a pouco mais que um metro dormia meu irmão, mas ele dormia e os sons e presenças não, eu tampouco. Então estava sozinho para defender o forte, era a ultima pessoa acordada, ou assim parecia, olhava da cama procurando luzes acessas por baixo da porta que pudessem mostrar que poderiam chegar reforços de alguém acordado, mas não.

Assim por anos os sons da noite me assustaram, e rezava para que eles não viessem que ficassem na noite ao redor, no lugar dos curupiras, das mulas sem cabeça, dos lobisomens, ali, ao redor, eles ficaram e eu cresci.

Passaram-se anos e anos, eu já tinha dormido em casas estranhas, barracas em matos e montanhas, ilhas e campos, já tinha viajado de carona e ao lado da estrada dormido, mas ate ali e em todos os recantos lá estavam eles os sons noturnos.

Mas agora já não tinha medo deles, agora eu era um xamã, que sabia decodificá-los, já os reconhecia, tantos os naturais como os fantásticos, sabedor dos que podiam ser ruins e como lidar com eles, mesmo agora eles eram fortes, mas eu não temia mais os sons da noite.

Tinha ciência do espaço que me cerca, sabia que não existe espaço vazio, apenas dimensões diferentes de presença.

Agora me dirijo aos sons da noite, aprendo com eles, convivo. Muitas vezes adentro a noite como agora, olhando o céu onde consulto as estrelas e eles falam comigo, agora eu faço sons à noite, diferente do menino que nem se mexia para não ser ouvido, agora eu ressoou na noite. Virei mais um som na noite.

Guilherme Azambuja
Enviado por Guilherme Azambuja em 04/09/2009
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