ÉTICA E ÊMESE
Peço licença aos meus habituais leitores por hoje não discorrer sobre fatos reais ou imaginários que os façam sorrir ou chorar como habitualmente. Escolhi falar de duas coisas que, em meu entender, às vezes são complementares e precisam de ser abordadas regularmente: ética e êmese. Com sua permissão, farei isso exatamente nesta ordem.
Muito se fala em ética com expressões como: “Fulano não tem ética alguma!”, “Quanta falta de ética profissional!”, “Foi muita falta de ética!”... O significado dessas exclamações costuma doer na alma daqueles que são alvos, sobretudo por se sentirem injustiçados. Isso ocorre porque quando atestam que fomos capazes de ter atitudes antiéticas, estão nos dizendo que, no mínimo, temos um defeito de caráter. Neste ponto, vale a pena perguntar: quem gosta de admitir que o tem?
Apesar disso, se questionarmos a algumas pessoas sobre o que venha a ser “ética”, descobriremos que poucas são capazes de defini-la. Isso é compreensível porque como dizia Aristóteles, “ética é uma ciência prática, cultivada por meio de hábitos moderados.”
Lendo a Odisseia e a Ilíada de Homero, escritas no Século VIII a.C, descobre-se que seus protagonistas não tinham livre arbítrio e cumpriam seus destinos conforme os desejos dos muitos deuses da época. Assim, o homem vivia conforme os costumes e a religião. Nesta época, então, diz-se que o homem tinha uma ÉTICA apenas SOCIAL.
A partir da Trilogia Tebana de Sófocles (século V a.C), vemos a evolução da ética não apenas quando Édipo começa a raciocinar (ele descobre o enigma da esfinge e, depois, que ele próprio era o assassino de seu pai, Laio), mas, sobretudo, quando sua filha, Antígona, resolve desafiar a autoridade do rei de Tebas, seu tio Creonte. Vale a pena conhecer toda esta história, mas este não é o meu objetivo nesta crônica de hoje, por isso delego a tarefa de contá-la a quaisquer alunos que cursem comigo Filosofia e Ética.
Nesta linha evolutiva, entre 470 e 399 a.C, Sócrates nos lega, por meio de Platão, o seu método maiêutico (perguntas sucessivas), e manda-nos pleonasticamente: “conheça-te a ti mesmo”, pois a descoberta da verdade ou do dever moral vem sempre do interior, da alma, da faculdade racional do homem. Dessa forma, Sócrates passa a ser uma espécie de “divisor de águas”, pois inicia aquilo que hoje conhecemos como ÉTICA CRÍTICA ou RACIONAL.
Entre 384 e 322 a.C, Aristóteles, por meio de seu método peripatético (caminhando com seus discípulos) nos ensina, entre outras coisas, que a ética é uma CIÊNCIA PRÁTICA. Isso significa dizer, que de nada adianta conhecer todos os conceitos de ética e neles tropeçar em nome de nossos vícios e paixões. Em outras palavras, não vale pregar a ética ou bater no peito classificando-se como cidadão ético, quando na verdade, vive-se a indignidade de pensar ou dizer coisas do tipo: “eu quero é me dar bem e a lei e o meu próximo que se explodam”.
Neste ponto eu interrompo os conceitos sobre ética para discorrer sobre o segundo termo do título desta crônica: êmese. Segundo a wikipédia, essa palavra representa “a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca”, em outros termos, com perdão da má palavra, é vômito mesmo.
Penso que é possível “emesar” pela boca e também pelos dedos, por isso, a partir de agora, é exatamente dessa segunda forma que passarei a expelir o que anda incomodando a minha alma: situações em que pessoas que deveriam ser exemplos de ética, não o são.
Explico-lhe o que desencadeou as náuseas que há tempos venho sentindo: no último final de semana, durante a realização do “Congresso Conhecer”, recebi diversos panfletos de instituições que oferecem cursos. Dentre eles havia um oferecendo 20 modalidades de cursos, com carga horária de 500horas cada, a serem cumpridas em apenas uma palestra de 8 às 10horas (Como é possível 500 horas serem cumpridas em 02 ??), ao preço de R$150,00.
Da mesma forma, aqui em Linhares, algumas faculdades de outros municípios afrontam a Resolução Nº 01 de 08 de junho de 2007 (prevê que as faculdades atuem apenas nas cidades onde elas são credenciadas, excetuando-se aquelas que possuam autorização formal do MEC para oferta de ensino à distância), oferecendo, ilegalmente, cursos de 360horas ou mais, cumpridos em no máximo 2/3 dessa carga horária, a preços que só são possíveis quando se lesa o INSS, o ISS, o FGTS e/ou o IRF.
Em ambas as situações, não faltam interessados em certificados dessa natureza, pois com eles é possível “provar” para os órgãos gestores de educação, que seus portadores merecem benefícios, já que “sabem mais do que aqueles que não os tem”. Por trás disso há duas coisas perversas: os órgãos gestores compram gatos por lebres e os alunos quase sempre continuam entregues a alguém que pouco ou nada cresceu.
Sabendo de tudo isso, eu poderia fazer como um monte de gente que sabe disso, que lucra com essas práticas, que se “equivoca” ou se deixa enganar, que se beneficia com tudo isso, mas se omite, não vomita nem pela boca e nem pelos dedos. Outros poderão, a partir dessa crônica, dizer que eu sou uma “babaca”, que o mundo sempre foi dos mais espertos e que eu não tenho direito de “chamar o Raul”. Talvez nem percebam que ao fazê-lo estarão sendo “tolinhos”, pois não há adjetivo mais eufêmico que este para quem veste carapuças.
Sinto muito, queridos! Quando meu estômago se revira com coisas enojantes, os dedos coçam demais da conta e não há antieméticos que os contenham.