Privacidade Virtual
Houve um tempo em que “invasão de privacidade” era quando a mãe lia o diário secreto da filha adolescente, quando a esposa revistava os bolsos do marido, em busca de algo comprometedor, ou apenas um filme com a Sharon Stone e um voyeur. Hoje em dia, os diários tornaram-se blogs abertos que podem ser lidos por qualquer estranho ou conhecido, e o que o marido tem no bolso já não é tão importante quanto quem ele adicionou no Orkut ou Facebook.
A internet, com suas inúmeras redes de relacionamento, é o paraíso do voyeurismo moderno, possibilitando o milagre da onipresença virtual — se pode ver, ouvir e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E nesses lugares muitos se transformam: Pessoas, que antes nos pareciam tão reservadas e comedidas, informam a quem quiser ouvir, onde estão, com quem, e pior: o que estão fazendo — incluindo suas necessidades fisiológicas — a moda é fazer, clicar, postar e observar, não necessariamente nesta ordem. E a privacidade, aonde foi parar? Será que ela ainda existe ou virou conceito abstrato, algo que só se mantém no mundo das ideias?
Ter a vida vasculhada por paparazzis cibernéticos já não é um privilégio dos famosos, embora muitos destes tenham entrado na mesma onda, lançando mão do maravilhoso veículo de auto-promoção que é o mundo virtual — sorte das fãs: Antigamente, para comunicar-se com o ídolo, era preciso escrever cartas quilométricas, gastando o batom e a boca em selos de beijos, torcendo para “talvez, quem sabe um dia” serem lidas. Agora basta seguir o dito cujo no twitter e falar diretamente com ele; muitos até respondem! Depois, é só acompanhar: Você nunca mais verá seu ídolo como antes, infelizmente...
A ânsia pela popularidade a qualquer preço faz com que muitos chutem de lado o pouco amor próprio que lhes resta, divulgando fotos ou relatos de si mesmos em situações pra lá de inusitadas (quando não comprometedoras). Quem em sã consciência quer ser visto em seus momentos de intimidade ou em meio aos ritos de beleza? Acredite: tem muita gente por aí cometendo este tipo de autossabotagem — vale tudo para atrair os holofotes!
Só preza a própria individualidade aquele que tem uma autoestima saudável, o que também é chamado de “amor próprio”: Os que o tem muito baixo, tendem a idolatria, pois tudo que é alheio lhe parece tão melhor, enquanto os que o tem muito alto, tem também a si mesmo em alta conta, tendendo a egolatria e ao exibicionismo, enfeitiçados com a própria imagem, como no mito de Narciso. É preciso encontrar “o ponto”, saber dosar.
Amar a si mesmo requer autoconhecimento, o que só é alcançado atentando e valorizando a própria individualidade. Quando isso ocorre, é possível olhar o mundo e as pessoas que nos circundam, admirando nelas aquilo que merece ser admirado, não o Freak Show mais próximo. E não caia na ilusão de que é possível ser apenas um voyeur anônimo — manter o completo anonimato é ainda mais difícil que a privacidade — quando você compra o ingresso para o show alheio, pode acreditar: num canto escuro qualquer, é bem possível que algum binóculo esteja apontando pra você!
A escolha é simples: Preservar a privacidade no mundo real e virtual, pois estes já não permitem divisões, ou abstrair, abrir as cortinas da sua vida sem se importar com o que vem depois, afinal, quem pretende subir ao palco deve levar isso em mente: “Nem sempre é dia de aplausos. A vaia também faz parte do espetáculo”. Nada pessoal, mas esse ingresso eu dispenso. Boa sorte na sua escolha!
*Publicada no Caderno Mulher/Jornal Agora (setembro de 2009)