A Construtora de Pontes
Num vilarejo retirado e esquecido por todos havia um casal de velhinhos que viviam dependentes dos vizinhos. Juntando a idade dos dois somava-se 156 anos.
Ele era cego, passava o tempo assentado num sofá, ou numa tora de madeira a ouvir um rádio de pilha. Num som chiado e disforme acompanhava a programação de seus programas preferidos, mudando sempre de estação à procura de ‘novidades’ que às vezes ‘apareciam’. De pequena estatura, corpo de quem sempre usou a força braçal, moreno da cor de chocolate, rosto de traços fortes, raramente demonstrando emoção, usava óculos escuros por puro hábito já que não tinha serventia alguma.
Ela passava a maior parte do tempo deitada. Baixinha, cor acanelada, cabelos brancos e ralos, rosto comprido marcado pelo tempo. Da cama para a mesa, dizia ela, essa é minha sina. Apesar de enxergar, as pernas é que lhe davam trabalho e não lhe ‘sustinha’ o corpo. Por passar muito tempo deitada tinha tontura, temendo cair limitava seus movimentos. Parecia tão pequenininha dentro daqueles lençóis, e afundada num colchão velho e mole. Numa voz clara e singela me disse que queria morrer, mas tinha que esperar pelo Dono da Vida, pois Ele sabia o melhor para todos.
Como estavam expostos à maldade alheia! Sem qualquer impedimento entrei naquela casa, tive acesso ao quarto, senti a fragilidade daquele casal. Alegraram-se com a visita, pediram-me para voltar.
Depois de uns trinta minutos de conversa, chegou uma filha do casal. Era uma senhora de sessenta e dois anos, mas que parecia ter uns oitenta. Enquanto conversávamos da sua boca não saiu uma palavra sequer de amargura, nem de desânimo. Ela cria num amanhã. Sua história de vida daria para escrever um livro à parte, mas tentarei repassá-la em poucas linhas.
Era viúva, criava dois netos, um com três aninhos e o outro com oito anos. O pai dessas crianças estava numa cadeira de rodas, desenganado pelos médicos aos trinta e dois anos. A sua nora abandonara os filhos e o esposo deficiente. O filho queria se matar por não aceitar as limitações e dores que a doença lhe trouxera. Aquela senhora que deveria chorar suas mágoas, dividia-se para dá assistência aos velhos pais, ao filho deficiente,aos netos desnutridos e barrigudos que dependiam de suas calejadas mãos.
Ela me disse algo que me deixou pensativa: “ Tenho tantas doenças que não me permito pensar como será o dia que eu não puder mais dá um passo, porém quando olho para meus tesouros.” Referia-se aos pais, filho e netos. Com olhos embaçados, porém secos, prosseguiu: “Esqueço as dores e as recomendações médicas e vou em frente, porque eles precisam de mim.”
Essa senhora é uma construtora de pontes, e nas suas limitações segue construindo para o amanhã, pois como ela me disse: “Moça, eu nunca imaginei que um dia passaria por tantas noites escuras. Essa que está em cima de uma cama me falava que a vida nos trás muita surpresa, e que por isso deveríamos fazer o bem sem olhar a quem, pois no amanhã poderíamos precisar e com certeza receberíamos de volta tudo que tivéssemos construído.” Naquele momento pude entender que devemos agir como construtores de pontes, pois nunca sabemos o caminho que teremos que percorrer. A vida é cheia de surpresas e o amanhã não está ao nosso alcance.
28/08/09