Abolição da Mulher Pelada - Ou A Incrível Mulher Photoshop

A mulher pelada, a partir de hoje, está abolida. Não que seja necessário abolir. Não sei se você reparou, mas faz tempo que não se vê mulher pelada por aí.

Estou convencido de que mulher pelada é bicho em extinção. Todo mês, corremos, nós homens, às bancas atrás da última revista especializada. Na esperança de que surja a mulher pelada.

A decepção é tão grande que nem sabemos com convicção suficiente que ficamos decepcionados. E fingimo-nos contentes. É uma decepção muito íntima. Como a bolinha de gude favorita perdida no último campeonato antes das férias de verão. Nunca mais vista. A mulher pelada também está perdida.

Todos nós sentimos isso ao folhear a revista, mas não conseguimos admitir. A previsão é que, muito em breve, a página central não traga uma mulher, mas uma análise técnica da versão mais recente do mais turbinado software de manipulação de imagens.

A verdade é que as mulheres – e até os homens, até os homens! – que se vê nas capas e nas páginas das revistas são irreais. São cobais de Photoshop, essa nova proveta.

Metalinguagem, senhoras e senhores. Espero que entendam.

Então, desesperadoos, corremos a baixar as imagens da última suposta mulher pelada.

Ela não foi parida através da genitália de uma mãe. Foi trazida ao mundo pela cesariana da pós-produção fotográfica a alimentar nossas expectativas e a fermentar nossas decepções. Servem, naturalmente, para o delito. Mas para o delito do sexo solitário, nos serve qualquer coisa.

A publicidade pede mulheres de 20 para interpretar mulheres de 30. Basta ir para a tfrente de uma câmera e qualquer mulher envelhece 10 anos. Automagicamente. Olhe para os anúncios do dia das mães com os olhos da realidade: Sinceramente, você conhece tantas mães tão jovens e gostosas com filhos tão crescidos e tão bem nutridos? Qualquer mulher não se transforma no terror estético de si mesma após seis ou sete anos de labuta diáriia e noites mal dormidas, fraldas trocadas e reuniões escolares?

O bom é que fomenta a indústria de cosméticos. A indústria de regimes. A indústria da plástica e de cânulas para lipoaspiração. A gordura das mesmas, numa alusão ao Clube da Luta, é revendida em fortma de sabonete para elas mesmas.

Nasce, estampado em books tardios ou precoces, a indústria de softwares de manipulação de imagens.

Só a nudez é pura. A nudez verdadeira, digo, é pura. O que se vende hoje está além do alcance da pureza (diga-se de passagem: A pureza pode ser uma virgem santa e sacana).

Não se quer a nudez pura e simples. Não. Quer-se a nudez, enfim, de alguém célebre por nada. A celebridade é brindada por seu vazio expondo um corpo que não é seu. É do photoshop. Que não é de ninguém. Que não existe.

Ao ver aquela pele aveludada e sem as estrias da realidade, você pode julgar que seu olhar é puro e sacana. Mas é apenas um olhar enganado (por favor, não há nada absurdo nas celulites daquela atriz, garota propaganda de cerveja, então reveladas em um furo de reportagem; você sabia muito bem que as celulites estavam lá e, no fundo, desejava que elas aparecessem. É uma espécie de tara que você carrega. Como se o fato dela ter celulites transportasse-a para o terreno verossímil, o real, uma possibilidade de tê-la, quem sabe, na sua cama.)

Senhores editores: Parem de esconder as mulheres peladas!.

Nós sabemos que elas estão aí em algum lugar. Nós queremos mulheres peladas de verdade. Mulheres parecidas com as mulheres com quem vivemos – nas ruas, nas camas – para quer elas (as reais) se vejam como em um espelho. Para que sejam mais felizes e tranquilas, com a consciência sadia das marquinhas na bunda.

Para que haja mais sexo de luzes acesas. Quem sabe até para que, no futuro, haja mais sexo à luz do dia, a céu aberto (exagero ou não, gostei da idéia).

Para que eu me veja, como homem, mais confiante: Posso estar com uma mulher assim. Não é um ET. Ou um produto da ficção trash. Ou mitologia. Que haja mulheres assim, com estrias e tudo, assumidas como as pessoas de verdade que são. Porque são, ou deveriam ser.

É apenas uma mulher pelada. Uma mulher pelada de verdade.

Uma mulher pelada. É tão difícil isso? As mulheres peladas dos pintores são mais reais, infinitamente mais reais, que as mulheres peladas das revistas. Porque Da Vince pintava com os dedos e não com o mouse. Não são apenas frutos da imaginação, em suas cores e suas formas. Suas cores e formas singulares até podem corresponder a expectativas singulares, talvez até meio idealizadas. Mas são expectativas atingíveis por homens e mulheres reais.

Outro dia escutei, numa escoola onde ia falar num encontro cultural aqui bem ali no Serra Verde, um aluno cutucando o vizinho, oferecendo lápis e papel e dizendo:

- Ei. Desenha pra mim uma mulher pelada?

E o outro, com uma franqueza melancólica:

- Não posso. Não sei.

Disse, por fim, que nunca havia visto uma.

Nem verá jamais, se continuarmos nesse pé.

Felipe Lacerda
Enviado por Felipe Lacerda em 03/09/2009
Código do texto: T1790459
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