Divagando

Tudo demasiadamente branco naquele quarto de hospital onde nascera meu filho. A quietude do ambiente convidava a imaginação para um passeio longo e delicioso pela alameda do sonho e da divagação. Meu pensamento esvoaçava como um pássaro engaiolado, a querer se libertar daquela prisão alvíssima, daquele silêncio quase desesperador. Queria ver e sentir a vida que existia bem perto, no outro lado do corredor. E assim, cautelosamente, foi se aproximando daquele berçário, onde estavam enfileiradas caminhas minusculas, que mais pareciam brinquedos de bonecas. Em cada caminha, um pequenino ser que acabara de despertar para vida. Uns branquinhos, outros róseos, outros moreninhos. Uns menores, outros maiores e alguns pequeníssimos como se fossem apenas miniaturas. Plantinhas tenras, recém brotadas, de uma fragilidade tal que se sente medo de tocá-las. Plantinhas que nasceram agora, há poucas horas e que crescerão e se tornarão adultos.

Aquele berçário realmente se assemelhava a um imenso campo onde houvessem sido semeadas sementes de todas as espécies. Estavam todas ali prontas para crescer. Algumas porém, não resistiriam as intempéries e morreriam ainda brotinhos. Outras porém se tornariam exuberante, frondosas, acolhedoras e não obstante serem desprovidas de frutos, suas folhagens, seus longos ramos forneceriam sombra e abrigo aos que viessem cansados, teriam a sublime missão de abrigar os que sofressem, os que procurassem uma pousada, um refúgio para suas dores. Haveriam também de crescer as que dariam frutos deliciosos que saciariam a fome e a cede de quantos delas se aproximassem. Existiriam umas que dariam frutos, porém também espinhos que dilacerariam as mãos dos que não os soubessem colher. Outras cresceriam, mas só dariam espinhos . Não dariam frutos para saciar a fome, não teriam folhagem que permitissem abrigar à sombra o viajante. Seriam apenas agressivas e nada nelas haveria de bom. Não deixariam de existir as que dariam frutos belos e sedutores, porém amargos, venenosos, que destruiriam a vida de quantos os colhessem para matar a fome. Não deixariam de existir, também, as que se enroscariam aos troncos das que lhes estivessem ao alcance, sugando-lhes a seiva e a vida, as que não se dariam ao trabalho de extrair da terra os elementos para sua subsistência e explorariam as que estivessem mais próximas. Existiriam ainda as que encheriam de beleza os campos, as que se cobririam de flores pela primavera e espargiriam os seus perfumes, deliciando o olfato dos que por elas passassem. Por ultimo, naquele imenso campo viveriam aquelas que não cresceriam, não teriam destaque entre as demais, seriam rasteiras, pequeninas, ninguém as olharia e seriam apenas pisadas por quantos por ali passassem. Seriam as esquecidas, anônimas e rastejariam durante toda a sua existência sobre a terra.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 03/09/2009
Reeditado em 29/09/2009
Código do texto: T1790437
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