A incrível maquininha de pensar

Nossa cabeça funciona sempre, como uma maquininha que não se desliga. Através dela temos a capacidade de acionar o dedinho do pé esquerdo ao mesmo tempo que o indicador da mão direita, assim como franzir a testa ou bocejar sem pestanejar. Ela tem também o poder de refrear todas as maluquices que pretendemos praticar. Isso tudo sem pensar que estamos pensando.

Ela é como uma caixinha de surpresas, de onde podem sair pensamentos muito disparatados. Se não soubermos juntá-los ou separá-los, agiremos como loucos. Ela também funciona como uma antena permanentemente ligada, captando e registrando tudo o que se passa à nossa volta, ao mesmo tempo em que está pronta para emitir o que vem lá do nosso interior.

Não sei como funciona a cabeça dos outros, só posso falar da minha própria. Às vezes ela fica quente, quase fervendo e tenho que fazer esforços para esfriá-la. Outras vezes a sinto leve como pluma e então posso imaginar como vivem aquelas pessoas chamadas de “cuca-fresca”. De cabeça leve a vida é fácil, parece que nada interfere em nosso caminho. É bom pra descansar, gosto de usá-la na praia. Quanto à cabeça de vento ou cabeça oca, não as quero jamais.

De cabeça erguida a gente se sente forte e valente, pronta a enfrentar qualquer inimigo. Mas de vez em quando a vida nos dá uma rasteira e ficamos então cabisbaixos e meditabundos.

Quando a cabeça se torna dura, teimamos feito burro empacado. Nessas horas é preciso tomar cuidado para não darmos cabeçadas, mergulhando de cabeça numa empreitada qualquer. Poderemos acabar levando na cabeça.

De cabeça quente ninguém consegue raciocinar e nessas ocasiões todo cuidado é pouco para não se perdê-la. É preciso esfriá-la e colocá-la no lugar. Porém, conservar a cabeça fria e no lugar pode ser monótono e um pouco frio demais. Manter constantemente a cabeça erguida torna a pessoa pedante. É bom guardar essa cabeça só para os momentos de luta. Andar cabisbaixo o tempo todo indica desânimo e até covardia, não devemos deixá-la muito tempo nessa posição. Balançar muito a cabeça, seja para os lados ou para cima e para baixo, também não é saudável, pode nos deixar tontos.

O difícil mesmo, nosso grande desafio quotidiano, é conseguir equilibrar todos esses movimentos, usando a cabeça certa para cada situação. Assim evitaremos muita dor de cabeça. E como as situações são mutantes, também mutantes serão os movimentos capitais.

Pode acontecer de termos que trocar cinco vezes de cabeça em apenas três minutos. E devemos fazer isto sem esquentá-la, esfriá-la ou endurecê-la demais. A temperatura correta é muito importante. Tampouco devemos erguê-la ou baixá-la em demasia. Isso tudo sem falar no cuidado de não deixar com que ninguém nos faça a cabeça, metendo nela idéias que não são nossas.

Essa ginástica é dificílima e felizmente a praticamos quase sem perceber. Nosso subconsciente, consciência, moral ou sei lá o quê se encarregam de acionar os botões convenientes.

Isso tudo não passa de um grande e contínuo jogo de quebra-cabeça e, para resolvê-lo da melhor forma, temos que passar a vida quebrando a dita-cuja.

Apesar dos esforços, às vezes aparecem situações tão irresistíveis que nos deixam de cabeça virada...

(1994)