Caso de direito 1

Estava aborrecido com o Juiz Epaminondas de Albuquerque. Sua Excelência no todo de guarda-chuva imperial era um esqueleto de pesporrência magnânima. Que robusta apoquentação para o sábado prometido. A profissão de advogado não dava ao Juiz o direito de nomear sem contestação. Principalmente para defender pobre de graça. Era contra nomeação inescapável. Recusaria com todas as suas forças. Mesmo sabendo que o velho Epaminondas lhe chamaria às ordens. Mesmo uma ordem disposta à vista grossa, por direito inalienável de escolha, recaído na sua graça. Depois o Estado paga mal qualquer serviço prestado na linha da indigência, embrulhando tudo no ar da gratuidade. Fugiria da cilada. Para tanto valeria á máxima do estimado doutor Cornélio Vasconcelos: Para ganhar tem que pagar!

Mais de dez advogados haviam passado pelo caso fiduciário do sisudo Siqueira. Encrencado em sete mil reais transformados em cem mil lascas pela Caixa Financial, esta com exímio talento para juros elevadíssimos. O Serqueira, homem determinado, resolveu acatar o palavrório do advogado M. Bermudinha, dizendo-lhe roufenho, posto que austero: pague apenas a primeira prestação. Deixe o resto comigo! Enfático. Como um capitão aguerrido e prestes ao lance fatal, ostentando folhas rabiscadas com infinitos cálculos. Números para efeito de persuasão. Todavia apenas emaranhava o coitado do Serqueira, que de resto, ficaria dez anos sem defesa nem embargo. Esperaria o tempo que fosse para cuidar dos próprios negócios além da dívida. Nem casar podia. Era necessário ganhar primeiro a causa, aconselhava a si próprio, avaliando na escuridão um futuro promissor. Sem, porém, deixar de temer que o banco lhe arrancasse as artérias, além do sangue das noites de insônia. Talvez pudesse ser preso, caso não devolvesse os poucos teréns do Posto de Cartas da Vila Cemitério, 14.

O doutor Péricles não trabalharia de graça para ninguém, muito menos para endividado fiduciário. Gostava de molhar com a baba da ganância a sorte monetária do belo ofício. Quando visualizava alguma causa, reluzindo na zona polpuda da lucratividade, ficava excitadíssimo. Assim valia a pena meter-se entre calhamaços de folhas constituídas de letrinhas miúdas e espinhos sórdidos. Varava a noite como insano para embutir em processos as palavras condizentes com a sua sede de lucro. Suas olheiras triunfavam na carantonha besuntada de tramas retóricas.

Com o titular da causa M. Bermudinha ausente da comarca, em viagem nupcial (tinha uma amante) ao Estreito de Bering, o processo seria logo substabelecido. Afinal, com tantos outros advogados no fórum que nada fazem pela defesa em caso de nomeação, porque logo ele seria premido pelo caquético Epaminondas? Pouco se lhe dava quanto ao mérito mercantil, era leiloar as tralhas do vivente até a ruína do insolvente. Quem mandou se meter com banco? Ninguém haveria de rir do infeliz dizendo-lhe: você é o único caso em que dez advogados tomaram conta do caso e todos perderam. Fosse junta médica, riu do Serqueira, estaria morto.

Não aceitaria a defesa de caso perdido como aquele. Nem que o sertão virasse mar. Ficaria em casa e dormiria até o novo sol raiar.

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Mesmo que o Epaminondas desse ganho de causa ao Serqueira, dificilmente o dinheiro chegaria até ele. O infeliz jamais saberia dos meandros da façanha em que se envolveu.