INVENTORES

O meu irmão mais velho não era muito de brincar no meio de meninada. Ficava ali, no cantinho dele sempre com um semblante contemplativo ou mexendo em aparelhos velhos, desmontando, às vezes fabricando carrinhos de madeira ou patinetes feitas de tábuas velhas de caixotes de maçãs e tomates que ganhava do moço da feirinha. Tinha um futuro brilhante como inventor, se não fosse pela megalomania precoce e o hábito que os adultos têm de podar a imaginação criadora das crianças desde o nascedouro. É que ele queria construir um avião com latas e antigas telhas de zinco. Cortava tudo com as tesouras de costura de minha mãe e desmanchava a cobertura de uma área de tanque da casa, além de ocupar uma enorme área do quintal, espaço que era de plantas, varal, galinhas e brincadeiras. Meu pai lhe matou o intento, proibindo-o e acabando de vez com a megalomania e o estro criativo.

Quando comecei a usar óculos, o oftalmologista me recomendou que o tirasse da cara somente em casos de extrema necessidade, como tomar banho e dormir. Acostumei-me tanto que quebrei uns oito em desastres diversos antes que fizesse a cirurgia salvadora da miopia (e essa não foi nenhuma invenção, apenas um avanço de técnicas médicas). Comecei a observar os limpadores de pára-brisas de carros e pensei: “ora, por que não inventar um limpador semelhante para óculos em dias de chuva.?” Fiz um mecanismo à pilha que ficou tão grande que não havia como levá-lo sem uma bolsa junto. Inviável, não consegui patrocinador. Quando tive meu primeiro carro, ficava pensando em como diminuir o sofrimento que a gente tem para trocar pneus e pensei num macaco hidráulico que fosse acionado de dentro do próprio carro sem ficar agachado fazendo força para suspender o veículo. Nessa eu me ferrei: não levei adiante a idéia e já li algo por ai que em breve os carros já vão sair da fábrica com esse mecanismo. A última foi numa choperia em que fui sócio. Fazia muitos pratos que levaram frango desfiado. Achava tudo tão delicioso quanto achava torturante desfiar o frango. Fiquei matutando uma ferramenta, um instrumento qualquer para facilitar o trabalho. Uma das sócias deixou o estabelecimento (era nutricionista) e foi ser empregada de uma grande rede de produtos alimentícios derivados de frango. Pode ser o cúmulo da coincidência, mas dois meses depois, a empresa lançou o produto industrializado aqui no mercado de Minas Gerais.

Estamos quase todos carecas de saber que Henry Ford inventou o automóvel, estamos carecas de saber que Santos Dumont inventou o avião (apesar dos protestos injustificados dos irmãos Wright). Está completando 50 anos que foi inventado o escorredor de arroz. E foi uma dentista paulista, Therezinha Beatriz Zorowich. A gente não se dá conta nem pára para pensar nisso, mas façamos uma pausinha só: tudo, tudo, do alfinete ao navio, do prendedor de roupas ao liquidificador, do barbeador ao sorvete, do abridor de garrafas à balança... tem por trás um inventor anônimo , não fez fama nenhuma mas tornou a nossa vida mais prática e mais saborosa. E a ele presto uma homenagem. Não é o seu dia nem eu estou querendo inventá-lo, se é que já não existe. Bem que podia aparecer alguém de quem jamais esqueceríamos o nome. O que inventasse algo que não nos deixasse carecas.

Sabe por que me lembrei disso tudo? Estava aqui ouvindo Geraldo Azevedo e ele cantava: “Quem inventou o amor teve certamente inclinações musicais”.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 03/09/2009
Reeditado em 03/09/2009
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