A primeira vez perante o mar
 
          Demorei a ser apresentado ao mar.  Devia ter já uns nove anos quando, enfim, fui levado para conhecer a praia.  Um tio meu, junto com alguns amigos, levou consigo meu primo e eu; e fomos, festivamente, farofar na Praia Grande.

          Ainda me lembro de minha primeira reação ao ver ao longe o mar da Baixada Santista, enquanto ainda descíamos as sinuosas curvas da Rodovia Anchieta em meio à serra.  Gostaria de dizer que fui tomado por um deslumbramento sobrenatural.  Contudo, o que senti foi desapontamento, porque o mar, apesar do que me diziam todas as informações recebidas até então, não era azul.  Era cinza!  Aliás, como o céu daquele sábado nublado.


          De qualquer forma, ao chegarmos lá, meu primo e eu desembarcamos da perua Kombi que nos transportou e fomos correndo pela praia em direção às águas marítimas.  Meu tio só gritava para que a gente tomasse cuidado e não fosse em algum lugar muito fundo.  Meu primo, que sempre foi mais atirado que eu para atividades de risco, nem ligou e foi entrando, pulando e rolando nas ondas.  Eu, com meu jeito precavido, fui diminuindo o passo para me aproximar lentamente do contato com o mar.


          Parei bem em frente do desenho molhado na areia que mostrava o limite do ponto até onde as águas chegavam e, por ali, esperei que elas voltassem.  Fiquei observando as ondas que avançavam em direção à praia e vendo como elas nasciam imponentes no horizonte e vinham se amansando até espalharem-se bem à frente de meus pequenos pés.  O mar foi e voltou algumas vezes, enquanto, de longe, meu tio e seus amigos gargalhavam de minha timidez.


          Eu já havia me decepcionado com a falsa informação sobre a coloração das águas oceânicas.  Em minha precoce tendência de brigar com as palavras, já pensava que iria protestar contra o lápis-de-cor azul marinho.  Urdia em minha cabecinha que iria reclamar pela existência de um cinza marinho.  Tudo isso vagava em minha mente, quando resolvi testar a outra informação de que dispunha.  Tão logo as ondas voltaram a se aproximar de meus pés, agachei-me e, com o dedo indicador, toquei-as para levá-las em degustação à boca.  Menos mal!  O mar, de fato, era salgado. Ufa! Nem tudo era mentira neste mundo!


          Arrisquei-me ainda mais e fui entrando com passos temerosos mar adentro.  Olhando para baixo, aquele movimento das águas se esgueirando por entre minhas pernas me causou vertigem e, para não passar a vergonha de voltar correndo para praia, apertei o ritmo e fui até o ponto onde fiquei com a cintura coberta pelo mar.  Não resisti e fiz xixi.  Daí, me arrependi de ter experimentado o sabor do mar, pois concluí que todo mundo ali já deveria ter feito isso aquele dia.


          Enquanto me remoía com meu asco tardio, eis que vi uma onda enorme chegando em suas espumas revoltas.  Fiz meia volta, mas já era tarde demais.  Fui colhido pelas águas e, enquanto imaginava, naqueles poucos segundos, como era triste morrer afogado, o movimento das ondas naturalmente reverteu-se.  Ergui-me tossindo pelo engasgo e sentindo que estava sendo literalmente arrastado por alguém.  Meu tio, obviamente, estava por perto para me socorrer daquele momento angustiante e aflitivo.


          Em pouco tempo, naquele mesmo dia, me acostumei com as manhas básicas para lidar com a sorrateira malandragem marítima.  Entretanto, confesso que até hoje, quando me aproximo de uma praia, só o cheiro salgado do ar já me insufla de respeito e temor servil pela imponência do mar.  É um sentimento quase pagão que me incentiva à reverência a Tritão ou Poseidon.