Mega Vó 11: O Silêncio por Cúmplice
O Silêncio por Cúmplice
Ana Esther
O roxo do olho não era apenas roxo. Era sobretudo dolorido. Desta vez o neto da D. Normélia exacerbara. Furibundo em seu delírio de drogado, necessitado de mais um bocadinho de craque, ele não poupou a avó que jurava de pés juntos não ter mais nenhum centavo sequer para lhe dar. O chilique nervoso do Uélintão foi tão desmesurado que ele agarrou o cinzeiro de pedra de cima da mesa da cozinha e atirou na D. Normélia, com raiva nos olhos. Nem a visão da avó caída no chão, com sangue jorrando de seu rosto, o deteve. Uélintão praguejou e saiu atrás de alguém que lhe ‘emprestasse’ mais dinheiro.
Embora o olho doesse muito D. Normélia trancou o choro para não incomodar o genro que já estava dormindo. Foi pé ante pé ao banheiro cuidar da ferida. Escutou as vozes abafadas do Robertisson discutindo com o filho.
‘Seu inútil, não vê que eu tô dormindo... Vai pedir grana pras balada lá pra tua vó!’
‘Ih, já era pai... acho que eu apaguei a véia, tá caída lá na cozinha!!!’ Uélintão desandou a rir.
‘O quê? Seu porcaria! Tem certeza? Se a droga da tua vó morre nóis tamo tudo ferrado. Não vê que é com a pensão do INSS dela que a gente vive, seu miserável...’ E o Robertisson levantou-se correndo para olhar como estava a sogra.
Uélintão não perdeu tempo e surrupiou a nota de R$5,00 do bolso da bermuda do pai que estava no canto da cama e saiu para mais uma noitada. O Robertisson, por sua vez, cruzou com a D. Normélia quando ela saia do banheiro com uma toalha cobrindo o olho. Mais aliviado ao perceber que a sogra estava vivinha-da-silva deu-lhe um baita beliscão no braço e advertiu-a:
‘Escuta aqui, sua velha safada, não vai abrir essa boca pra ninguém... ou tu vai vê o que é bom pra tosse!’
D. Normélia voltou para o seu sofá na sala e deitou-se. Contudo, o sono não vinha e o olho continuava doendo muito. Por anos e anos ela se calava e agüentava aquela situação em memória da filha morta. Nutria sempre uma esperança de que o neto se curasse e virasse um homem honesto e trabalhador. Também pensava para onde ela iria se não pudesse mais morar ali... não tinha nenhum parente próximo. Desconsolada soltou um gemido no meio da noite.
Em seu estúdio fotográfico a jovial Ana Brasilis curtia o processo de revelação das fotos que fizera das emoções da Procissão do Senhor dos Passos no centro de Florianópolis. Mesmo tão concentrada ela percebeu a Bengala Mágica vibrando, avisando-a que algum idoso estava em perigo. Imediatamente Ana Brasilis agarrou a fiel bengala e bradou determinada: ‘Bengala Mágica! Chama a Vovó!’ Um redemoinho poderoso transformou-a na super-heroína Mega Vó, a defensora dos velhinhos oprimidos.
Voando pelos céus de Floripa a Mega Vó passou rapidamente por uma delegacia de polícia e convidou o sonolento delegado de plantão a acompanhá-la em seu vôo. Foi assim que os dois aterrissaram na casa da D. Normélia e se depararam com os lamentos da velhinha. Ainda surpreso com a carona inusitada, o Delegado Praxedes escutou a voz angelical da Mega Vó:
‘Minha cara vovó, a senhora não pode mais alimentar a criminalidade de seu neto e genro... Calando-se assim a senhora permite não apenas que eles a maltratem mas que se tornem grandes malfeitores, bandidos mesmo.’ A Mega Vó abraçou D. Normélia e regou-a com suas Lágrimas Transformadoras. Sob o efeito das lágrimas D. Normélia tomou coragem e contou tudo ao Delegado Praxedes.
Com o caso da D. Normélia devidamente encaminhado a Mega Vó retornou para sua casa onde voltou a ser a exuberante Ana Brasilis. Antes de dormir, porém, ela pegou uma das fotos das pessoas na Procissão do Senhor dos Passos e suspirou pensando, ‘Haja fé para nos ajudar a enfrentar tempos tão violentos...’
*Este meu texto da Mega Vó é mais um para publicação no jornal Cultura&Lazer de Florianópolis, SC.