Mãe abandonada

Esta, sim, era uma mulher bonita por fora e fenomenal por dentro. Possuía somente pouco dinheiro para chegar até onde morava, perto do Hospital Moinhos. Sua beleza curava qualquer olhar que pousasse em seu corpo. Quase sempre dava para ver suas formas deslumbrantes na estação, perto da rua principal. O seu sorriso brilhava entre a multidão se movendo, procurando ônibus e destino. Por um período andou triste, pois havia sido reprovada nos exames para o terceiro grau. Nesse período carregava livros com ar solene de bronze em dia de vento e chuva.

Sua beleza acelerava o lirismo com o poder que tem certas ilusões. Nada perdia o sentido em seu trânsito amoroso, trânsito que eletrizava a noite entre luzes, sinalizando um singular vestígio de afeto. Por alguns meses ela mudaria o trajeto que era sempre o mesmo. Mal via a sua linda presença e experimentava a impressão de ter caminhado distancias colossais, sem que sentisse absolutamente o meu corpo. Apenas o suave nervosismo de certa inquietação, que no fundo, tratava de me agradar como a pimenta da janta.

O pai havia lhe faltado num sábado de sol por engano da medicina ou do médico. Este último um rapazote que lhe aplicou dosagem severa de sedativo num exame de rotina para diabetes. Morreu Vilar como o astro popular M. Jackson. Ora, Vilar, cuja vida lhe fora roubada por um excesso num descuido; era pausado e comedido. Contava com quarenta e nove anos de idade, além de forma espetacular. Pacato, educado, fino. Suas manias eram tão bem administradas no cotidiano estável que vivia sem culpa nem perdão. Apenas com as preocupações de ecologista entre a vermelhidão do vinho. Trabalhador por conta própria no ramo das geladeiras era melhor sucedido no verão.

Dona Maria consolava-se daquela angústia incontrolável apenas com as mensagens de otimismo do rádio. Para a dor deixar de doer no âmago de seu silêncio de palmeira arrancada pelo vento, ela ficava longe da cozinha, até começar a emagrecer e os ossos ficarem visíveis. Cada cozinha possui o elemento extremo de recordação, a geladeira com a visão do Vilar consertando a Gelomatic como se fosse automóvel na garagem.

Quase sem querer havia explorado a vida deles e acabado de conhecer detalhes sobre a desgraça profissional do bom Vilar. havia sido escriturário e transferido para o cargo de Chefia do Setor de Tributação, Cadastramento e Fiscalização. Um Decreto fundamentado na Lei 1.145/69, revogado de chofre, dera cabo na existência do seu Departamento, e ele afastado do cargo de Chefia, ficando a disposição de outra Secretaria. Rebaixado na verdade por recusar um convite de participação em comício. Passaria a vida sem saber se as portarias tinham força jurídica para rebaixá-lo, ou se possuía direito ao padrão inicial no final das contas.

Após nossa primeira noite de amor e gula lhe perguntei o que tinha em mente, visto que o pai lhe faltava, e ela morava ainda com a mãe. Respondeu que abandonaria a mãe, pois passaria a viver como prostituta porque gostava de dançar e esquecer, esquecer tudo, simplesmente...