Sopro divino
 
          Por aqui, o inverno ainda está instalado, porém, hoje, a estação das flores precocemente veio visitar o dia, trazendo consigo muito sol e calor. E uma inesperada quentura invadiu e espalhou-se incomodamente no ambiente, cozendo o ânimo até que ele assim, escaldado e sem o tempero de uma sincera reação, acabou sendo servido como uma renitente indolência.

          Contudo, a salvar o dia, veio também uma brisa fresca fugida do mormaço dessa inusitada primavera paulistana. Trouxe o pó das calçadas e a fuligem que escapa dos motores. Trouxe, ainda, rolando no espaço, pregões de camelôs, esperanças de pedintes e sirenes de urgências sem fim. Tem ela o aroma dos chuviscos que já foram marca a distinguir esta terra, mas que, atualmente, só ficam na intenção de céus nublados.


          Talvez esse vento leve seja um resquício de algum furacão caribenho que tenha se espalhado na América, cruzando o Atlântico sobre águas inquietas que se amansaram somente no leito do Mediterrâneo. Ares de jornadas incertas que adentraram e avançaram no Continente Negro fazendo meia volta sobre os mares revoltos do Cabo da Boa Esperança. Movimentos de ar indecisos entre sul e leste que se resfriaram no vértice do Cone Sul e aqui desembocaram, já dóceis, por entre frestas e vãos de janelas e portas que se refugiam das ruas.


          E cá está ela! Doce brisa que refresca meu dia e embala no éter as palavras que pousam em meu coração, escorrem em minhas veias e precipitam-se por meus dedos. Palavras paridas como imperfeitas dádivas desse sopro divino.