Sobre a minha poesia
Eu não sei se me tornarei o poeta menos poeta da história ou se simplesmente não me tornarei um poeta. É muito defendida a poesia como fuga da razão para dar lugar às sensações, imagens, intuições e em menor grau, observações. Muito embora sejam esses elementos as portas de entrada do conhecimento, parar neles não me parece sensato. Tampouco penso que seja tarefa do poeta apenas a absorção do mundo externo, sem uma espécie de filtro ou mesmo de questionamento sobre as origens e valores de cada sensação ou imagem.
Nem sempre foi assim. Temos o registro histórico de nossos primeiros poetas, de maior equilíbrio entre a racionalidade e o aspecto sensível. Eram exímios pensadores, além de tudo. Some o leitor a isso uma apurada expressividade e terá um poeta. Só com muita técnica de expressão e domínio do idioma é possível traduzir uma impressão muito forte. De outro modo: apenas com muito conhecimento racional se entende e se traduz uma emoção. Que não seja, pois, retirado o conteúdo sensível de um poema, senão acrescentado a ele uma carga intelectual.
Com a perda desse elemento racional, às vezes desprezado intencionalmente, o que nos resta além da tristeza? Não exagero em citar a notória melancolia que se abate sobre certos versos e, não raro, também sobre a biografia de seus autores. A explosão de sensações não analisadas pela inteligência levará ao que Machado de Assis chamava de “impropriedade das imagens” e “obscuridade do pensamento”. Finaliza: “A imaginação, que há deveras, não raro desvaira e se perde, chegando à obscuridade, à hipérbole, quando apenas buscava a novidade e a grandeza.” Tal estado psicológico não pode trazer felicidade, apenas desalento.
A poesia flerta demais com o não saber, com as dúvidas e incertezas. Isso me incomoda um pouco, porque acho que a escrita deveria ser usada mais vezes para inspirar as pessoas a coisas boas, não ao lamento. É evidente que um Edgar Allan Poe é genial (especialmente em The Raven e Annabel Lee, duas de suas obras mais conhecidas). Seu tom sombrio e seu ritmo são peculiares e muito os admiro. Mas uma coisa é falar da tristeza, da solidão, da tragédia, da morte como inexorável; outra é vitimizar-se diante das próprias falhas.
Não está errado, em absoluto, escrever uma poesia para dizer o quanto a vida é miserável e o quanto eu não sei resolver meus problemas. Apenas acho lamentações uma perda de tempo. Eu não quero que minhas palavras sirvam para alimentar o descontentamento, a desorientação e o martírio. Gostaria, sim, que elas provocassem boas sensações, que as pessoas se sentissem enérgicas, fortes, prontas para superar qualquer barreira com inteligência, não impulsividade.
Neste ponto, às vezes o problema é também dos leitores. Quantos não se deslumbram com a técnica e a precisão do poeta em definir suas tristezas e seus sofrimentos, acabando por confundir duas coisas distintas: o poema é belo, o sentimento não. A estrofe bem escrita sobre a angústia deixa então o leitor ávido por sentir o mesmo, em vez de gerar nele o desconforto necessário para fugir desse estado mental. Aprecia-se aquilo que deveria causar rechaço; aproxima-se daquilo que deveria nos alertar ao distanciamento; ama-se o que deveria ser evitado.
Como técnica de expressão, também considero a poesia maravilhosa. Capacitar-se para traduzir o que observa e sente é uma coisa na prosa e outra na poesia. Esta pede muito domínio das palavras, para colocá-las na métrica certa, rimá-las com outras, acrescentar-lhes ritmo. Vem daí minha desconfiança com a poesia moderna, que aboliu exatamente tudo aquilo que a poesia era em técnica (métrica, ritmo, rima, ordem) e perverteu seu conteúdo (sensibilidade autêntica, intuição, sentimentos). Virou um texto abstrato, muitas vezes uma prosa com quebras de linha, a respeito de umas viagens quiméricas mal interpretadas.
Expressar-se poeticamente da maneira como quero requer muita habilidade, que tenho procurado desenvolver com a prática. Há esforços simultâneos: sentir, entender o sentimento, expressá-lo dentro das regras ou quebrá-las quando houver motivo, levar o leitor por esse mesmo caminho. Todavia, se fazer versos não é isso, mas apenas bombardear leitores com sensações ou simulações de sentimentos, precisarei inventar outro nome para o tipo de coisa que escrevo.