Do amor entre dois machos amigos - ou amigos machos

O tema desta crônica me foi inspirado ao ler uma outra excelente do colega recantista Dante Marcucci, entitulada "Dom Camilo".

Abre parêntese. Gosto muitíssimo deste clima que rola aqui no R.L., de conversa entre amigos numa mesa de café literário, em que um assunto vai puxando outro. Um dá o mote, o outro o rebote. Fecha parêntese.

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Tenho um considerável grupo de velhos amigos, que vem dos tempos da universidade, já lá se vão trinta anos. E alguns dos casais formados naquela época e lugar, contrariando as tendências e costumes atuais, continuam juntos até hoje -- o que, pra mim, indica que, além de amarem-se de verdade, tiveram sabedoria, discernimento e juízo bastantes pra superar os inescapáveis percalços da vida a dois.

Dentre estes casais, há dois em especial, cujos maridos tornaram-se mais amigos entre si do que muitos irmãos que a gente vê por aí.

A amizade deles é comovente e inspiradora. Quando se encontram, a gente vê nos olhos e na expressão dos rostos um afeto profundo e sincero. Abraçam-se com firmeza de machos e olham-se nos olhos, com evidente prazer e carinho.

Antes que lhes preguem logo um rótulo cor-de-rosa ou iridescente, esclareço que em ambos os casos se trata de homens do sexo masculino (hehe), sem nada a enrustir -- machos na medida, e que são apaixonados pelas suas respectivas esposas.

Gosto muito de estar por perto deles nas ocasiões (mais ou menos frequentes) em que a turma se encontra, porque a alegria e o prazer que eles sentem na companhia um do outro é contagiante. Manifesta-se nos incansáveis ditos espirituosos, nas paródias inspiradas e nas piadas de múltiplo sentido que um vai tirando ao outro. Pois é, além de tudo, são muitíssimo bem humorados.

Pois num destes encontros da turma, no almoço de comemoração do aniversário do filho de um e do neto de outro destes amigos em questão, numa altura lá um deles disse qualquer coisa especialmente engraçada, pertinente, sensível e oportuna pro outro que, não se contendo, abraçou o amigo e tascou-lhe um grande e sonoro beijo na testa. No que foi correspondido, sem que se desfizesse o abraço, com um não menos estalado beijo no rosto.

Achei aquela cena tão profundamente comovente, tão civilizada, tão cosmopolita e tão amorosa que meus olhos se encheram de lágrimas. E ao olhar pras respectivas esposas -- amicíssimas entre si, igualmente -- flagrei umas lagrimazinhas nos olhos delas também.

O bacana disso tudo é que ambos os casais criaram os respectivos filhos com a mesmíssima amorosidade e afeto, sem distinção de sexo ou de convenções quaisquer, porque eles têm a firme convicção de que o afeto há que ser manifestado sem reservas inúteis, não importa a quem. E os filhos deles, igualmente amorosos, certamente irão passar pros seus próprios filhos os mesmos raros e admiráveis valores. Tanto que um é padrinho do filho do outro.

Isso vale pros demais amigos, pro resto da turma -- seus filhos consideram os amigos dos seus pais como seus tios legítimos, como se fossem biológicos, e tem por eles o mesmo apreço, carinho e respeito, não importando raça, credo, orientação sexual ou status social e econômico.

Só podia ser assim, tendo os pais que têm.

Quem me dera que outros homens aprendessem com eles que é possível e desejável que role amor sincero, profundo e fraternal entre dois homens machos, com todas as letras maiúsculas, sem que isso lhes arranhe reputação ou honra, muito pelo contrário!

O mundo, então, certamente seria um lugar bem melhor pra se viver...

:)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 31/08/2009
Reeditado em 31/08/2009
Código do texto: T1784929
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