Resignação

Resignação

Quem, ao encontrar-se numa fila, não se lembra dos versos: “sofre a tua dor resignadamente…”? Versos de um bolero tradicional, que nos parece chamar-se “Perfídia”.

A fila é, sem dúvida, o fato mais patente da nossa resignação. Entretanto, existem outras situações muito mais graves que , assim como a fila, são patrocinadas por nossa resignação.

Assim é que, apesar da escravidão, da insegurança social, da miséria e do cinismo reinante em parte dos membros dos três poderes, escolhemos a fila pelo fato dela ser, de todos esses elementos, a mais facilmente identificada, visto fazer parte do físico e visível do nosso cotidiano.

Existe um axioma esotérico que diz: o visível é projeção do invisível ou do oculto. Certamente, quando Saint-Exupérry, no seu livro “O Pequeno Príncipe”, diz que “o essencial é invisível para os olhos”, estava de outra forma dizendo o mesmo ou, quem sabe, preparando seus leitores, para uma melhor compreensão do axioma esotérico.

Assim, podemos afirmar que as filas, o visível, são as projeções do nosso comportamento patético de resignação. Perguntamos o que está por trás e poderia esclarecer esse nosso comportamento?

Antropólogos, biólogos, sociólogos, psicólogos e esotéricos deveriam pesquisar e, periodicamente, se reunirem para explicarem a causa dessa e de outras distorções do homem.

O que explica o fato de os judeus, sabendo que seriam levados para os “chuveiros de gás”, caminharem em filas e docilmente, em vez de, na pior das hipóteses, morrerem reagindo em grupo?

O que explica os correntistas dos bancos, não enquadrados como especiais, mas que sem os quais os banqueiros não teriam seus lucros, passarem mais de hora numa fila?

O que esclarece o porquê de os cidadãos perderem seu tempo nas filas dos caixas de supermercados?

Este comportamento do ser humano resignar-se está relacionado à nossa matriz genética, ou ao nosso sistema educacional, ou a nossa história política autoritária, ou às religiões que pregam que, só pelo sofrimento se conseguirá o reino dos céus? Enfim, o que explica a apatia e a passividade das filas?

Depois que o ilustre poeta e mártir Vandré escreveu:

“Bem vamos embora,

que esperar não é saber.

Quem sabe faz a hora,

Não espera acontecer”,

ninguém mais deveria tentar fazer rimas, poemas, sonetos ou elegias sobre a resignação. Entretanto, apesar disso, decidimos registrar, em rimas, as filas como exemplo e símbolo de nossa resignação.

“Rimas: em fila”! é o trágico e cômico do nosso comportamento resignado, que leva muito de nós a uma vida sem sentido e sem razão.

Rimas em fila

Seja noite ou seja dia,

seja por trabalho ou lazer,

seja por dor ou alegria,

estamos sempre numa fila.

Fila para ir ao banheiro,

fila p’ra comprar leite e pão,

fila para sacar dinheiro,

fila das compras e da condução.

Fila para sacar dinheiro,

fila das compras e da condução.

Fila para teatro e cinema,

fila para estádio de futebol,

fila para ir à Barra ou Ipanema,

fila de presos por nesga de sol.

Fila para voltar para o norte,

fila de doentes esperando leito.

fila para o palpite da sorte,

fila de políticos para dar um jeito.

Fila para o palpite da sorte,

fila de políticos para dar um jeito.

Fila para encontrar a inocência,

fila por um quarto de motel,

fila de “velhinhos da previdência”,

fila de fiéis por um pedaço de céu.

Fila na qual o tempo passa,

surge e cresce a resignação.

Fila na qual a vida é gasta

sem sentido e sem razão.

Fila na qual a vida é gasta

sem sentido e sem razão.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 31/08/2009
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