A dor que deveras sinto
Tempos atrás, relatei em uma crônica que havia compilado os arquivos de textos que escrevi ao longo do tempo*. A intenção era, algum dia, revisar a todos e, naquilo que entendesse cabível e possível, publicá-los ou republicá-los, conforme o caso. Imaginei eu que isso só ocorreria daqui alguns anos, porém, acabei encarando a tarefa sem novos adiamentos.
A bem da verdade, muita coisa que andei trazendo a público nos últimos meses já era coisa antiga devidamente revisada. Contudo, nos últimos dias, dei cabo do que faltava ainda por ser revisto. Chamou-me a atenção é que, considerando as quase três centenas de textos analisados, não mais do que algumas poucas dezenas sobreviveram à triagem. Mesmo os que chegaram ao ponto de vir novamente à luz, não conseguiram passar incólumes sem que alguma coisa lhes tivesse sido extirpada, ou acrescida, ou retificada , ou aperfeiçoada; enfim, alguma interferência houve para que eu os considerasse novamente publicáveis. Quanto à esmagadora maioria, contudo, seu destino foi diretamente a lixeira do computador e, a esta altura, já não são, sequer, recuperáveis.
Obviamente, que o fato de que eu publique qualquer coisa que produza não representa, necessariamente, que seja algo de qualidade inconteste. Ao menos, sob o crivo de meus critérios pessoais, tenho que merece registro e divulgação aquilo que seja, ao menos, aceitável. E basta analisar tudo que está à disposição do público em geral para notar que não passa disso: coisinhas aceitáveis – e olhe lá!
De qualquer forma, mais do que uma tarefa de revisão de escrita, foi uma purgação de lembranças com o despejo sumário de vários e vários fantasmas que estavam nelas alojados. A mim não é difícil perceber que há um viés tristonho e sombrio em grande parte do que foi gerado no passado, reflexo de circunstâncias nada agradáveis, por certo. Entretanto, como não faço jamais a menção da época em que um texto foi criado, para quem lê tudo parece contemporâneo ao momento da leitura.
Assim, há momentos em que me sinto patético, ao receber comentários de conforto, apoio ou orientação para dores, angústias e dúvidas que, atualmente, já não fazem mais parte concretamente de minha vida.
O insuperável Fernando Pessoa, há muito tempo já decifrara as dores do poeta:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
não as duas que ele teve,
mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
gira a entreter a razão
esse comboio de corda
que se chama coração.
No meu caso, portanto, não foram apenas duas dores que me afligiram, porque, ao reler e revisar tudo que escrevi, passei a sentir aquela outra dor que atinge aos que leem. Rever os textos me fez tomar contato com uma pessoa que, apesar de ser o “eu” de algum momento, já não é mais o “eu” de agora. Em mim, consigo distinguir sem sobressaltos esses “eus” que foram se sobrepondo em camadas ao longo do tempo.
Porém, acho que chega de tanta dor. E, convenhamos, eu finjo mal pra caramba!
_________________________________________
* "Zipei minh´alma num pendrive"
Tempos atrás, relatei em uma crônica que havia compilado os arquivos de textos que escrevi ao longo do tempo*. A intenção era, algum dia, revisar a todos e, naquilo que entendesse cabível e possível, publicá-los ou republicá-los, conforme o caso. Imaginei eu que isso só ocorreria daqui alguns anos, porém, acabei encarando a tarefa sem novos adiamentos.
A bem da verdade, muita coisa que andei trazendo a público nos últimos meses já era coisa antiga devidamente revisada. Contudo, nos últimos dias, dei cabo do que faltava ainda por ser revisto. Chamou-me a atenção é que, considerando as quase três centenas de textos analisados, não mais do que algumas poucas dezenas sobreviveram à triagem. Mesmo os que chegaram ao ponto de vir novamente à luz, não conseguiram passar incólumes sem que alguma coisa lhes tivesse sido extirpada, ou acrescida, ou retificada , ou aperfeiçoada; enfim, alguma interferência houve para que eu os considerasse novamente publicáveis. Quanto à esmagadora maioria, contudo, seu destino foi diretamente a lixeira do computador e, a esta altura, já não são, sequer, recuperáveis.
Obviamente, que o fato de que eu publique qualquer coisa que produza não representa, necessariamente, que seja algo de qualidade inconteste. Ao menos, sob o crivo de meus critérios pessoais, tenho que merece registro e divulgação aquilo que seja, ao menos, aceitável. E basta analisar tudo que está à disposição do público em geral para notar que não passa disso: coisinhas aceitáveis – e olhe lá!
De qualquer forma, mais do que uma tarefa de revisão de escrita, foi uma purgação de lembranças com o despejo sumário de vários e vários fantasmas que estavam nelas alojados. A mim não é difícil perceber que há um viés tristonho e sombrio em grande parte do que foi gerado no passado, reflexo de circunstâncias nada agradáveis, por certo. Entretanto, como não faço jamais a menção da época em que um texto foi criado, para quem lê tudo parece contemporâneo ao momento da leitura.
Assim, há momentos em que me sinto patético, ao receber comentários de conforto, apoio ou orientação para dores, angústias e dúvidas que, atualmente, já não fazem mais parte concretamente de minha vida.
O insuperável Fernando Pessoa, há muito tempo já decifrara as dores do poeta:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
não as duas que ele teve,
mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
gira a entreter a razão
esse comboio de corda
que se chama coração.
No meu caso, portanto, não foram apenas duas dores que me afligiram, porque, ao reler e revisar tudo que escrevi, passei a sentir aquela outra dor que atinge aos que leem. Rever os textos me fez tomar contato com uma pessoa que, apesar de ser o “eu” de algum momento, já não é mais o “eu” de agora. Em mim, consigo distinguir sem sobressaltos esses “eus” que foram se sobrepondo em camadas ao longo do tempo.
Porém, acho que chega de tanta dor. E, convenhamos, eu finjo mal pra caramba!
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* "Zipei minh´alma num pendrive"