Um certo chalé avoengo
Itamaury Teles (*)
Não sei se vocês conhecem de cor esse endereço: Praça Cel. Ribeiro, 19. Mas eu o conheço muito bem. Trata-se daquele chalé simples, ao lado do antigo Hotel São José, que resiste de pé até hoje, embora já tenham mutilado suas partes intestinas, e varrido do mapa a cozinha e seus aderentes, para servir de estacionamento a veículos.
Todavia, a fachada fronteiriça, com enormes portas e janelas de madeira, encontra-se praticamente como fora concebida. Se forem retiradas as tábuas de compensado que escondem as janelas do pequeno sótão, e, no rés do chão, se voltarem as janelas no lugar de algumas portas, tudo retornará ao projeto original.
E o conheço por um motivo muito especial: fora construído pelo meu avô materno, Manoel Gomes de Oliveira, no início do século 20, quando era proprietário do único cinema da cidade, o Cine Montes Claros. O chalezinho, portanto, está beirando os 100 anos...
Ali morei, por algum tempo, com a minha avó Laura e o meu tio Horacílio, quando vim de Porteirinha, nos albores da década de 70, fazer o curso científico em Montes Claros. Lembro-me de que ainda morava naquele endereço até 1972, quando servia ao Exército. E, por causa desse fato, lembro-me também da velha bicicleta. Ela ficava no corredor lateral, ao lado da janela do meu quarto, que dava para a casa do “seu” Nelson Alkimim, de Dona Lídia e de suas araras. Como saía sempre faltando poucos minutos para o início das instruções, muitas vezes saltava a janela para ganhar tempo e chegar em cima da hora ao Tiro de Guerra, na distante Vila Ipê. O meu lufa-lufa matinal sempre acordava as araras, que se alvoroçavam e taramelavam impropérios com voz esganiçada.
Pouco tempo após a morte da minha avó, venderam o imóvel, a contragosto da maioria dos herdeiros, apenas para atender a vontade da mulher de um tio meu, que morava em Belo Horizonte. Fiquei triste com aquela decisão, mas nada pude fazer...
Agora, a mesma tristeza me invade. Soube que pretendem demolir aquele chalezinho bucólico da Praça Coronel Ribeiro, para ali construir um edifício. O Bar do Orlando, que lá funcionava, cerrou as portas faz alguns dias. Como prenúncio de uma morte anunciada, lá colocaram uma faixa com trechos da canção “Saudosa maloca”...
Novamente, sinto que sozinho nada poderei fazer, a não ser clamar às pessoas de bom senso, principalmente as que ainda nutrem algum amor por Montes Claros, para que possamos encontrar solução alternativa e evitar mais este crime contra a memória histórica e arquitetônica da cidade.
A Prefeitura ou o Ministério Público bem que poderiam evitar a demolição, utilizando-se de idéia já adotada em Belo Horizonte, que prevê maior uso do espaço pelas construtoras, quando mantêm as fachadas e parte da área fronteiriça para o hall dos novos edifícios. Por que não adotamos este mesmo procedimento aqui? Uma lei na Câmara, de iniciativa do executivo, prevendo tal possibilidade, poderia ser votada em regime de urgência, o que atenderia aos anseios de todas as partes envolvidas.
Se nada for feito, fico com justificado receio de que, em breve, haveremos de lamentar a cidade que deixamos ser destruída, ao assistirmos passivamente a tudo, como se fosse imposição natural do progresso...
Daqui a pouco, a Montes Claros que sempre conhecemos não será mais que um retrato na parede – como a Itabira do nosso poeta-maior Carlos Drummond de Andrade. E como vai doer, nos corações e mentes daqueles que aprenderam a amar essa cidade.
Depois de derrubado o imóvel, qualquer movimento popular será inócuo.
O tempo urge...