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O OUTRO LADO
* Carinho dedicado a DANTE MARCUCCI e a todos que atendem filas dantescas.
Fala-se muito em filas neste país... As críticas e piadas são impiedosas e abundantes. Qual brasileiro não tem um revés para contar?
E o outro lado? Como é olhar a fila de frente, olhos nos olhos? Bem, não há nenhum glamour nisso, não é apaixonante... É complicado, às vezes trágico, às vezes cômico.
Os atendentes, leia-se caixas, recepcionistas, todos os valentes soldados da linha de frente das mais variadas instituições públicas e de algumas privadas, são heróis do cotidiano e muitas vezes passam despercebidos.
Atender filas intermináveis e constantes; conviver com múltiplos tipos de situações, pessoas e problemas é, no mínimo, uma tarefa árdua, quando não heróica.
Além das dificuldades comuns, ao atendente do setor público cabe suportar o pesado e injusto fardo do preconceito generalizado. Sem dúvida, merecem condecorações.
A impaciência, talvez seja o mal mais comum e o menos grave. O mesmo cliente impaciente na fila, como que por encanto, perde a pressa diante do atendente. A pressa some tão rápida e milagrosamente, que rezo para que se descubra um remédio assim para a enxaqueca.
Para minimizar o desconforto das filas e agilizá-las, creio que a dupla boca fechada & escassos sorrisos é a melhor opção, mas esteja consciente de que isto vai render-lhe muitos rótulos indesejados. No mínimo todos terão certeza que você se acha a oitava ou nona, talvez décima maravilha do mundo.
Aprendi que é necessário optar entre ser simpática ou ser eficiente. Qualquer arroubo de simpatia será severamente punido com centenas de pedidos de “um favorzinho...".
Não se engane, não é um e não é "zinho", não será pequeno. Agradeça se não ferir a ética.
Jamais acrescente ao educado Bom Dia! nenhuma pergunta desencadeadora de longas conversas. Nunca diga Bom dia, como está? É mortal. Você vai ouvir coisas do arco da velha: pedra nos rins, úlceras, o coração que bate muito ou bate pouco e toda a sorte de tragédias e peregrinações ambulatoriais e hospitalares, descritos com riquezas de detalhes tão inúteis quanto demorados. Ou, as temerosas oscilações de humor do tigre asiático, o Sarney e a Sarnália, desculpem, o Senado da República.Também a vizinha, a filha da vizinha e o cuco delas, que não está mais cantando.
E a fila lá esperando...
Jamais pronuncie perigosos Lindo dia, não? Também precipitam longas e filosóficas respostas ou um grosseiro Só se for pra você, estou na fila há xy minutos!
Depois ou, com um pouco de sorte durante essas preliminares, os clientes vasculham suas bolsas ou pastas e finalmente encontram uma sacolinha, certamente de plástico e bem amarrada, cujo conteúdo é um envelope ou um saquinho caprichosamente fechado com não menos de uma dúzia de grampos, que você vai ter que remover para ter acesso ao que interessa.
Naturalmente que isto só ocorrerá se você, mais uma vez, puder contar com o elemento sorte. Caso contrário, poderá topar com um daqueles clientes que, sem cerimônia, enfiam a mão dentro das calças e de lá retiram mornos e úmidos documentos ou punhados de notas amassadas e malcheirosas.
Não pensem que o álcool gel chegou junto com a Porcina – a gripe suína. Ele é um companheiro de longa data, agora vivendo os seus cinco minutos de fama.
Há dias em que ficamos embriagados de tanto álcool. Passamos no nariz para disfarçar uma variedade enorme de odores impossíveis de descrever aqui; nos braços, antebraços, pescoço, em todo e qualquer pedacinho de pele à mostra, depois de atender aquela pessoa que insistentemente coçou uma enorme, purulenta e patriótica ferida verde e amarela na cabeça, durante o tempo que permaneceu na fila.
Nojento, não é? Eu também acho muito nojento...
Nojento e real, minha imaginação não chegaria a tanto.
E mais, mais álcool gel...
Podem imaginar quantos bilhões de bacteriazinhas habitavam o documento úmido que o camarada tirou das cuecas suadas? Não é à toa que todos os atendentes preferem os objetos portados nos soutiens sem nenhuma sensualidade, embora úmidos, às vezes, conservam um cheirinho de talco.
Reconheço a inutilidade da informação, mas é verídica.
Bem, vou poupá-los de descrever as inúmeras bolinhas de meleca do nariz que adornam os documentos e o poder altamente refrescante dos espirros com que somos brindados.
Vamos ao inseparável álcool gel enquanto a fila aumenta. Pois bem...
Atender e operacionalizar a solicitação do cliente, normalmente leva poucos minutos. Fazer com que ele entenda o porquê e o quê está sendo feito em seu benefício poderá levar horas. Isto supondo, otimista que sou, que ele tenha conseguido expressar sua necessidade numa linguagem inteligível.
Muitas vezes eles nem sabem o que querem, nem o que procuram, muito menos ao que tem direito.
É um grande exercício para aprimorar a paciência e sexto sentido.
E a fila lá esperando e aumentando...
Os idosos merecem um capítulo a parte. Não é preconceito, logo serei um deles. É impossível não observar que esse tipo de atendimento demanda mais tempo, alguns têm pânico de utilizar auto-atendimentos ou qualquer outra bugiganga cibernética. Muitas vezes já não entendem...
E se entendem, não enxergam. E se enxergam, esqueceram a senha e/ou os óculos.
Muitos são solitários e é desumano não ajudá-los diante de tantas dificuldades.
Experimente não ajudá-los e certamente sentirá a indignação da fila, inquieta serpente que espreita atenta, feroz e ávida por um deslize.
E sensibilizado e acuado você ajuda... Muito bem! Agora você é humano...
Humano e incompetente, a fila está aumentando! É o verdadeiro se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Falando em humanidade, os bons atendentes devem ser sobre-humanos, não podem ter necessidades fisiológicas, não devem atender ligações telefônicas, etc. É de grande utilidade aprender a adivinhar, pelo toque da chamada, se o filho foi atropelado ou se a gata da mãe caiu do telhado.
Trocar meio dedinho de prosa e um sorriso com o colega ao lado, apesar de aliviar o stress, fere a dignidade dos impacientes.
O mesmo cliente que acha a fila desumana, nega ao atendente até o direito de saborear um amargo cafezinho em paz. Quem de nós nunca disse: ficam aí tomando cafezinho e eu aqui esperando! ? Quem? Quem? Eu já disse, não digo mais.
Portanto, fazer xixi e uma refeição decente está completamente fora de cogitação, esqueçam... Isto jamais passará despercebido e será alvo de grande agitação. Não arrisque.
Murmúrio em fila propaga-se com espantosa velocidade e duvidosa precisão. O terceiro reclama do João e em poucos segundos o centésimo já está alucinado, reunindo a quadrilha para surrar o Napoleão.
Eu, obviamente, não gosto de filas, nem do lado de lá, nem no lado de cá, mas há quem goste. Afirmo e não há a menor possibilidade de estar equivocada.
Há clientes que chegam várias horas antes do horário marcado para atendimento, engrossando as filas e concentrando o movimento nas primeiras duas ou três horas de atendimento, tumultuando as instituições e colocando por terra todo o planejamento de bom fluxo de atendimento, para mais tarde os estabelecimentos ficarem às moscas. Não, não é responsabilidade do Senado, conformem-se, eles gostam de fila!
E isto não é um dia ou outro... É todo o santo dia, um dia atrás do outro!
Pobre atendente, que como todo ser humano tem seus problemas, dificuldades, frustrações, deficiências. É o verdadeiro marisco entre a maré e o rochedo. De um lado, o algoz é a fila, do outro lado estão o chefe, as metas, o relógio...
Realmente a solução não é fácil e muito menos rápida.
Considerando as poucas e asquerosas situações que expus, percebe-se que a educação seria um grande facilitador. Mas, sempre tem um mas... É a pausa para o álcool gel.
E o bacana tranca-filas educado, especialista em jeitinho brasileiro? A estes tipinhos dedico um carinho muito especial e a eles atribuí um cordial e generoso apelido: palhaços.
É impossível confundir esse tipo bacana, instruído, educado, algum pouco e recente dinheirinho no bolso, orgulhoso de sua condição de minoria. Esse tipinho dá muito mais trabalho que os vovôs, vovós e pouco instruídos. Ele gosta de ser servido, sempre tem uma piadinha idiota para contar, gosta de permanecer na instituição para ser visto pelos comuns mortais, julga adquirir status com isso, enfim... Ele usa e abusa!
Exige que lhe sirvam café e invariávelmente reclama do mesmo, em alto e bom tom, para demonstrar certa intimidade na casa. O tipo palhaço é aquele que adora ser ou parecer amigo do dono, do gerente, do defensor, do agente etc., etc.
Não adianta passar álcool gel, ele sobrevive.
Não sei se a solução é educar e instruir, talvez seja melhor incendiar.
Só tenho uma certeza, está equivocado quem acha que é culpa do Lula e do Senado...
É culpa do Lula, do Senado, minha, sua, dele, do antendente do vovô, do cara da cueca suada, do palhaço, do gerente, do defensor do agente e... Até do álcool gel que não incendeia!
Até quando? Ora, ora... Pegue a senha. Entre na fila para saber.
Ago 2009