Despedida

Eu sempre sonho que uma coisa gera,

nunca nada está morto.

O que não parece vivo, aduba.

O que parece estático, espera.

[Leitura - Adélia Prado]

O menino mergulha e olho, embevecida, a familiaridade com as ondas. Parece feito de mar. Pele de espuma, braços feito nadadeiras, cabelos dourados de sol. Avança mar adentro e me aproximo mais da água, entrando, já um pouco preocupada, com seu destemor.

Em seu elemento, o menino se distancia rapidamente da praia. Feliz, relaxado, de olhos fechados, deixando se envolver pelas ondas do mar, que o acolhe. E mesmo quando digo: “Cuidado, não vá tão longe”, sinto que já não mais me ouve.

Percebo que o menino de cabelos dourados está indo com as ondas. Mergulha, some das nossas vistas, torna aparecer e mergulha outra vez. Emudeço. Sei que não há o que fazer. Sei que está retornando ao seu lugar.

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Acordei e relembrei cada parte do sonho que acabara de ter. Pensei no mistério que é a vida e como nosso inconsciente processa as perdas, os rompimentos, o inexorável. Com tristeza, pensei que havia, naquele sonho, me despedido do amigo que se foi.

Fábio Colin era Oceanólogo, especialista em Ostreicultura. Ambientalista totalmente apaixonado pela causa, sério, de uma fala segura, capaz de se fazer entender pelas comunidades mais simples. Trabalhamos juntos ao longo do ano de 2008, no Projeto de Formação profissional em pesca Artesanal, com filhos de pescadores e marisqueiras da Colônia Z 25, em Porto de Pedras, litoral norte de Alagoas. Já monitorava o cultivo de ostras da colônia e iniciar a meninada no ofício foi natural.

Hoje, pela manhã, Laura, sua esposa e alguns de seus amigos, despediram-se de Colin, como o chamávamos. Eterniza-se para além das lembranças que cada um e cada uma terá de sua presença entre nós, pois parte de suas cinzas estão agora no mar da Pajuçara, lugar que este catarinense escolheu como morada em Maceió.

A emoção do momento, com Laura e seus amigos, se estendeu até a comunidade de Palatéia, no município de Barra de são Miguel, aproximadamente 35 km de Maceió, um dos vários lugares onde Fábio assessorou a implantação de um cultivo de ostras. Hoje esse cultivo sustenta as mais de 60 famílias que moram e vivem da comercialização do produto.

Fábio Colin permanecerá entre as mesas de cultivo e na lembrança dos ostreicultores, gente simples e honrada que aprendeu com ele a reconhecer no cultivo da ostra uma fonte de subsistência, uma alternativa para criar seus filhos longe da miséria e da fome.

As águas das Alagoas, no mar de Pajuçara e na lagoa do Roteiro será para sempre a morada de um homem que amou seu ofício, respeitou-o e assim se fez história entre nós. Que descanse em paz, pois sua energia, seu bom humor, seu desprendimento e seu exemplo de amor a natureza e, em especial ao mar, estará entre nós, para sempre.

Com os versos da música eterna de Milton Nascimento e Fernando Brant, despeço-me. “Pois seja o que vier, venha o que vier, Qualquer dia, amigo, eu volto A te encontrar Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar...”

Maceió, 29/08/2009, sábado 23h,12 mim.