OLHA A CURVA DO BONDE

Ia eu no espaço destinado aos idosos do ônibus 8401, quando ouço um velhote de 81 anos (foi a idade que ele declarou ao motorista), bem à minha frente, contar casos do seu tempo de rapazinho ao profissional do volante.

“- Isso aqui era a Praça Vaz de Mello, reduto da antiga boemia da capital mineira. Eu tinha 14 anos. Ali passava a linha do trem ... Hoje tem esse viaduto que chamam de Complexo da Lagoinha! Ali em baixo, vindo da Pedro II, passava o bonde.”

“- Bonde? Já ouvi falar, mas não era do meu tempo.”, devolveu o moço.

“- Pois é, o bonde era o maior barato! Tinha o motorneiro e o cobrador. O motorneiro tocava o bonde, o cobrador recebia as moedas das passagens. Custava Cr$0,20 (vinte centavos), sabe? Baratinho, mas muita gente não tinha dinheiro pra pagar. Eu pelo menos não tinha.”

“- Mas me fale desse bonde.”, insistiu o jovem motorista.

“- Ah, sim! Era um carro grande, muitos bancos, com imensas rodas de aço que rolavam sobre trilhos. O motorneiro guiava e uma haste enorme, por sobre o teto, ligava o bonde ao grosso fio de cobre estendido alguns metros acima.

O carro era elétrico. A haste às vezes se soltava e o bonde parava. O cobrador descia e botava a haste acoplada no fio de cobre novamente. O motorneiro, de pé lá na frente, acionava uma chave tipo um cachimbo. Pra direita, ela fazia o bonde se movimentar; pra esquerda, ela abria um dispositivo que jogava areia nos trilhos, o que fazia o bonde parar nos pontos. A gente sentia aquela gastura quando o carro, em velocidade, era freado e parava aos poucos. A gastura era por causa da areia sendo moída nos trilhos pelas rodas de aço do veículo pesadão.”

“- Como é isso? Usavam areia pra frear o bonde? ...”, riu o motorista.

“- Pra você ver. Hoje tem freio a vácuo, a disco, o escambau. Com o bonde era de areia. Tecnologia paraguaia!” , enfatizou o velhote. E continuou:- “- Os bancos eram de madeira, enormes, e cabiam sentadas umas cinco ou seis pessoas. Bonitos, envernizados, tinham réguas largas de madeira nobre no assento e no encosto, dispostas paralelas, com um espaço grande entre uma e outra, pra ventilação, sabe?”

“- Ah, sei1 Pra ventilação, né? Não tinham ar condicionado naquela época, eu entendo.”

“- Pois é, mas você tinha que ficar velhaco, sabe? Principalmente nas curvas, quando o motorneiro gritava:- “- Olha a curva! ...”

“- Mas por que o motorneiro gritava?”, interpelou, curioso, o motorista.

“- Pros homens se levantarem. Porque nas curvas a gente

escorregava, os culhões passavam no espaço das réguas, elas às vezes se deslocavam e apertavam o saco do infeliz passageiro, sabe? ...”

Não, mas é claro que o jovem motorista não sabia! ...

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 30/08/2009
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