Quero o cachorro do meu amigo
É curioso e raro alguém me chamar por um outro nome que não o meu; bem há sempre aqueles caras patéticos em festas, normalmente, que começam a te chamar de "Carol" e se aproximam fingindo ter te confundido com alguém e então se aproveitam dessa oportunidade para dizer que você está linda e descarregar uma cantada idiota qualquer que já estava no gatilho; há também os apelidos carinhosos que ganhamos de parentes, amigos, parceiros...
Hoje aconteceu de alguém me chamar por outro nome de uma forma diferente.
Aquele rosto era familiar, veio em minha direção com um sorriso desse de empolgação e de desarmar o meu desinteresse tão peculiar, me sorriu e disse:
- Oi, "Lú". Tudo beleza, "Lú"?
É lógico que eu gentilmente retribui o sorriso e respondi:
- Sim. Tudo bem.
Não me ofendi por ela ter trocado meu nome por um nome qualquer, até achei criativo.
Eu por exemplo sequer sei o nome dela, mas não tive a idéia de arremeter-lhe um nome qualquer, como alias faço sempre.
Não sei o nome, sorrio e trato por " meu caro", "flor", "amado" e dessas variações.
Criar um nome que me venha a cabeça pode ser perigoso, soar ofensivo... mas esse gesto dela, e o meu em resposta, me trouxe à tona algo que em verdade já está há muito submerso em mim. A idéia de quantas relações mortas e evasivas nós mantemos.
Fingimos tantas relações. Em boa parte do que fazemos não há substância. Perguntamos sobre o bem estar de pessoas com as quais não nos importamos e sinceramente até a aquelas que melhor seria se a resposta fosse mesmo negativa. Esparramamos uma série de "Bom dia" e "Oi" e as vezes gastamos alguns minutos fingindo ouvir o que as pessoas falam. Dizemos que é por educação, cordialidade. Em parte talvez seja isso, mas no fundo, o que nos motiva é só um apelo desesperado por aceitação social.
Eu mantenho há alguns meses um caso com o cachorro de um amigo meu. Não! Não é o que você pensa que leu... me refiro mesmo ao animal de estimação desse meu amigo.
Todos os dias ele põe o cachorro na parte da frente da casa no horário de almoço, e a casa dele fica no caminho de meu trabalho. Um dia eu estava passando por ali e ele veio e me apresentou o seu cachorro, eu lhe fiz um cafuné e brinquei um pouco com aquele pastor alemão, lindíssimo...
No dia seguinte eu passava no mesmo horário por ali, meu amigo Vítor não estava, mas o cachorro estava e veio até a mureta, ergueu-se sobre as patas traseiras e meteu o foçinho entre as grades, como me reconhecendo. Achei engraçado, estendi as mãos pelas grades e lhe fiz mimos por um minuto ou dois, brincando com ele. Pronto. Começamos nosso caso. Não sei o seu nome. Ele não sabe meu nome. Conhece o meu cheiro e o som dos meus passos. Eu, conheço a textura de seu passo e o tom de quando ladra. Todos os dias as 13:50 p.m. ele está lá. Há dias em que eu sei que ele está todo preguiçoso e com ar de cansado, deitado na frente da casa e vem vagarosamente falar comigo, pelo esforço dele eu o mimo com ainda mais entusiasmo nesses dias. Há dias em que eu sou quem está abatida, entediada e quero passar direto, assim como nos dias em que estou atrasada, nesses dias ele parece saber e vem depressa, corre e mete o foçinho entre as grades. Dou-lhe nesse dias apenas algus segundos, à ele isso basta. Não fingimos uma relação, construímos uma. Um cachorro e eu.
Enxergar o que de fato nos motiva as vezes é confrontador. No escuro é melhor não ver. Mas, eu me cansei de fechar os olhos quando a noite cai e adormecer, fingindo normalidade. Não quero mais encher meu tempo e meu peito de relações abstratas e comportamentos metódicos e comedidos apenas para ser aceita, apenas para dizer que existem relações.
Ser livre é estar desconectado, não possuir elos.
Sinto o peso disso, porque sou livre.
Estou livre.
Prefiro isso a me manter envolta de coisas sem substância.
Será que pra eu me interessar por alguém, esse cara terá de se apresentar latindo e estendendo a língua pra fora?
Bom, assim parece mais sincero.