JOGADOR DE FUTEBOL

Encerrei minha carreira muito jovem, no auge da glória, para não ficar na marcação da torcida como pipoqueiro nem perna de pau. Por isso me aposentei da bola aos quatorze anos para ter muito tempo para curtir a fama.

Não há ainda uma profissão cujo primeiro atrativo seja a conseqüência de sua bem elaborada, planejada e executada missão. Essa é movida mesmo pela paixão, antes mesmo dos carrões, do sonho europeu e da mulherada bonita. Há coração no pé, peito, coxa, joelho e cabeça. Para quem ama, o esporte só perde a graça depois que o sujeito passa a se preocupar mais com a efemeridade da gloria de estrela e menos em jogar uma bola redondinha.

Tem toda a razão o Skank, “quem não sonhou em ser um jogador de futebol?” Trocando as bolas da música, quem não gosta de futebol é ruim do pé ou doente da cabeça. Os campinhos pipocam por todo o Brasil, onde se joga de tênis, descalço, com bola ou qualquer coisa que se possa chutar. É grama, terra batida quadra de cimento, soçaite, rua com gol feito de lata ou pedra e até curral, enquanto a boiada vai pastar, serve para se bater uma bolinha. O detalhe mais curioso é a capacidade que tem o futebol como espetáculo único e fenômeno inexplicável de enquadrar discrepâncias mais que qualquer religião ou sistema político ou econômico. Não há capitalismo, socialismo, comunismo, catolicismo, islamismo, zen budismo, que alcance tanta unidade como o futebol. Assisti dia desses a algumas cenas de um jogo entre as seleções de Coréia do Sul e do Norte, que os governos são inimigos ideológicos viscerais, mas os povos, não. E me chamou mais a atenção as tomadas das torcidas no estádio, que o jogo propriamente; umas caneladas de dar dó. As duas galeras aplaudiam efusivamente uma e outra seleção, como se quisessem avisar ao mundo que as duas equipes deveriam ser uma só. O outro detalhe é que o mesmo tanto de unidade empata com a falta de unanimidade. Nesse fenômeno físico os opostos se atraem mesmo. Mas só até as torcidas entrarem no estádio e rolar a bola no gramado.

Com toda reverência aos demais esportes, vôlei, basquete, natação, corrida, ginástica, ciclismo, e outras tantas maravilhas que o gênio humano inventou para o bem estar físico e mental e coletivo e de lazer e mais um monte de coisa boa, inclusive ganhar dinheiro; me perdoem, mas o futebol é de uma plástica coletiva... Vamos com calma. O futebol bem jogado e sem amarelação nem catimba. Não vou a estádios, nem sou fanático por nenhum time, mas gosto de apreciar as habilidades individuais e a solidariedade com a bola. Os “fominhas” dentro de campo não têm apoio de ninguém. Os gols que fizeram o continuam fazendo história são os construídos com uma costura em ziguezague ou com a tabelinha de deixar caído o queixo do torcedor e o adversário que não consegue parar a jogada com falta ou pênalti. .

Dinheiro dá muito, mas outra riqueza que a moçada da bola vem adquirindo é na linguagem. Já entraram para o anedotário as falas dos jogadores O conjunto do vocabulário não sei como anda, mas aquelas antigas expressões das entrevistas evoluíram. Em vez de ‘fui fondo’, passou a ‘acompanhei a trajetória da bola’. Hoje até já dá para eles agradecerem a Skol por ter dado umas Brahmas de presente, porque a fábrica agora é uma só, mas antes tinha concorrência. Mudou também aquela síntese do antes do jogo “eu e meus companheiros vamos dar tudo de si.” Já se fala em “vou dar o meu melhor, porque estamos focados nesse objetivo.”

“Com certeza.”

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 29/08/2009
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