Tenho andado distraido
Reconheço ter andado muito distraído ultimamente...Tenho esquecido de olhar com meticuloso cuidado, todas as sinuosidades das construções da cidade; também, me parecem muito estranhas coisas absolutamente normais, como, por exemplo, entrar no sebo João do Rio e encontrar um homem agarradissimo a uma mulher, beijando-a voluptuosamente; coisa absolutamente normal como podem ver. Um outro fato que me tem preocupado é não conseguir falar de política, pois, de acordo com meu atual temperamento, não quero subverter idéias de ninguém e não consigo conversar com pessoas ponderadas; todavia, estou pronto para discutir com aquele poeta português louco, que escreveu a poesia do cavalo arremetendo no abismo, e também poderia discutir política com o espírito de Ernesto Che Guevara, se porventura eu fosse dado a freqüentar o espiritismo científico, chamado por alguns adeptos, o espiritismo de mesa...Como se houvesse espiritismo de cama...Reconheço ter andado muito distraído ultimamente; não tenho notado mendigos nas ruas, nem crianças nos cruzamentos; Isto me preocupa pelo possível retorno de um ciclo de calúnias, como fizeram com o Carlos Lacerda, acusando-o de jogar os mendigos no Rio da Guarda. Pobre Governador! Homem tão bom e piedoso, que escrevia tão bem quanto falava, mas que, de vez em quando, decepcionava os amigos, como fez com o carola do Eduardo Gomes. Minha amiga se extasiava com os vocábulos ortoléxicos do Lacerda e fazia novenas para tê-lo como Presidente da Augusta República. Coitado. Morreu fazendo um tratamento de desengorda na rua Augusta...Se é calúnia, também não sei; sei apenas que ando, ultimamente, muito distraído, já tendo tido ímpetos de sair do banho sem roupa, por esquecimento.