Auto-ajuda

Auto-ajuda

suzabarbi@hotmail.com

Marilinha aproveitou o corrido horário de almoço para ir ao salão.

A manicure, para engrossar os rendimentos, aproveitou a véspera do Carnaval para vender trufas.

Numa estante cheia de gavetinhas de plástico, organizou as dezenas de bombonzinhos pela cor das embalagens.

Amarela, de maracujá; azul, de café; laranja, chocolate amargo; prata, chocolate branco, e assim por diante.

Resolveu comprar uma trufa para ajudar a moça.

Assim que a teve nas mãos, Marilinha percebeu que aquela bolota de chocolate, inevitavelmente, ficaria cinco segundos na boca e a eternidade em sua cintura.

Unhas feitas, saiu dali carregando o fardo calórico.

Foi direto para o serviço e decidiu presentear a chefe com a bomba.

Não porque tinha alguma coisa contra ela.

De maneira alguma.

Longe disso.

Mas sabia que a chefe era profunda admiradora de chocolate.

Seria uma gentileza, digamos assim.

Adoçar a boca numa tarde chuvosa de sexta-feira, com certeza, fecharia com chave de ouro a semana.

Pôs-se a trabalhar.

E aguardar a chegada da outra.

Com o presente-bomba em cima da mesa.

Quando a chefe chegou, foi logo reclamando que o ar refrigerado estava frio demais.

Em segundos, os 22 graus subiram para 30!

Quando a sala começou a se transformar em estufa, a chefe pôs-se a gritar:

- Marilinhaaaaa!!! O que você fez com o ar? Quer me matar de calor? Isso aqui está parecendo a sauna da minha casa!

Em segundos, os 30 graus desceram para 18!

E assim foi a tarde toda.

De 30 para 18 graus, de 18 para 30 graus.

A oscilação da temperatura destemperou o humor de Marilinha.

Definitivamente, sua chefe não comeria aquela trufa!

Preferível comê-la a dá-la!

Mas pensando bem...

Foi um porteiro com o melhor sorriso do mundo que recebeu a bolota de chocolate.

Em casa começou a sentir uma mistura de frio e calor.

Nem uma sopa quente fez com que Marilinha parasse de sentir frio e calor, alternadamente.

Às duas da manhã, acordou com o pijama encharcado.

A roupa de cama também.

Depois de uma noite infernal, acordou com dor no corpo, febre alta, uma tosse maldita e ânsia de matar sua chefe.

Diagnóstico: pneumonia.

Repouso absoluto durante quinze dias.

Depois que a raiva diminuiu, pensou em como passar o tempo.

Aproveitou a doença para colocar a leitura em dia.

Entre uma tosse e outra, começou a ler uns livrinhos que guardava há anos na prateleira.

Livros de auto-ajuda.

Terminado um, passou a outro.

Ao final dos quinze dias, viu-se dependente química de livros de auto-ajuda.

Naquele dia, saiu de casa para retornar ao trabalho, uma Marilinha totalmente diferente.

Disposta a tudo para “fazer amigos e influenciar homens de Marte”; trabalhando para “cortar os gastos e ficar saudável” e entendendo perfeitamente “porque os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor”.

Marilinha era a confiança em forma de gente.

Dali para frente, estaria disponível para achar um companheiro que a merecesse.

Investiria em sua carreira profissional.

Viajaria para o exterior.

“Abaixo a Mulher Capacho!”

“De Derrotada a Poderosa!”

Marilinha tinha a fórmula da felicidade prontinha em sua cabeça.

Entrou na primeira drogaria para comprar a última cartelinha de antibiótico que tomaria na vida.

Tinha certeza que doença nunca mais!

A farmácia era uma promoção só.

Tudo estava pela metade do preço.

E o que não estava, os vendedores davam seu jeito.

Foi assim que a mais nova poderosa do pedaço chegou ao caixa.

Com sua cartelinha de antibiótico na mão.

Sorrindo feito uma miss.

- Isto é um santo remédio para pernas cansadas, cãimbras frequentes, falha de memória, desânimo, alterações bruscas de humor, coisas da idade...

Marilinha deu um pulo.

Ao seu lado, um sorridente vendedor, segurando na mão direita uma caixa de alguma espécie de vitamina, olhava para ela.

Então todo aquele discurso era para ela?

Marilinha ficou furiosa.

- E quem disse para o senhor que tenho pernas cansadas, falha de memória e coisas de i-da-de?

- Não disse que a senhora tem, mas este remédio é maravilhoso para vista cansada também!

- E quem disse para o senhor que eu tenho vista cansada?

- Desculpa a minha sinceridade, mas foram seus óculos pendurados na correntinha.

E o vendedor, sorridente, apontou para o pescoço de Marilinha.

Maldita cabeça!

Marilinha se apressou para ficar logo livre do penduricalho e escondê-lo dentro da bolsa.

- Não falei pra senhora? O remédio é ótimo para a memória...

Marilinha não voou no pescoço do vendedor porque se lembrou do que “toda mulher inteligente deve saber”.

Respirou fundo, deu um sorriso forçado, empurrou delicadamente a mão do vendedor, que lhe balançava a caixinha do remédio na sua cara e deu no pé.

Literalmente, saiu quase correndo dali.

Gente atrevida!

Onde já se viu?

Está certo que já não era nenhuma menininha, mas daí a achá-la merecedora de um remédio daqueles, era demais.

Ainda pensando no vendedor, Marilinha trombou com um senhor que vinha em sua direção, fazendo-lhe cair a bolsa com o laptop no chão.

Atrapalhada com a situação, tentando se desculpar enquanto pegava o aparelho no chão, mal escutou quando ele falou:

- É você Marilinha?

- Não vai me dizer que é você, Valadão???

Dali para a troca de telefones e agendamento de encontro foi um pulo.

Marilinha estava numa alegria só!

Sabia que estava na hora de ler “Casais inteligentes enriquecem juntos”.

No primeiro encontro, Marilinha percebeu que Valadão tinha se tornado um homem muito charmoso.

Nem de longe lembrava aquele rapaz magrelo das épocas de faculdade.

Um grande contador de casos.

Divertido.

Inteligente.

Marilinha estava no céu!

No segundo encontro, Marilinha percebeu que Valadão gostava muito de caipirinha.

Era a grande oportunidade: ela era a rainha das caipirinhas.

Ninguém resistia a sua caipirinha.

Alguns encontros depois, Marilinha atacou.

Valadão já tinha falado que gostava de assistir aos desfiles das escolas de samba pela televisão.

Marilinha achou um programa de índio, mas naquela altura do campeonato não estava habilitada para achar nada.

Convidou-o para assistir ao desfile do primeiro grupo em sua casa.

Com direito a muita caipirinha!

Ele topou, claro!

A noite começou com muito charme.

Canapés quentinhos e caipirinha.

E ela caprichou no fundo musical: marchinhas de carnaval para customizar o ambiente.

Quando a jarra de caipirinha já estava pela metade, Marilinha achou por bem ligar a televisão.

Valadão deu o primeiro sinal de tontura quando trocou o sofá pela mesa de centro, quase quebrando um cinzeiro de murano ao se sentar.

Era preciso tomar uma providência para a noite não desandar.

Marilinha correu com a jarra de caipirinha para a cozinha, jogou um tanto fora e encheu de água o que sobrou.

Ao dar o primeiro gole, Valadão fez uma cara de quem tomou purgante e lascou um alto:

- Cadê a caipirinha gostosa da gostosa Marilinha?

Marilinha não achou graça nenhuma no trocadilho.

Com um contido “vamos assistir ao desfile”, aumentou o som da televisão e tomou seu lugar no sofá.

Valadão caiu pesadamente perto dela e, com um tapa, sentou-lhe a mão na coxa.

Marilinha não se conteve.

- Acho melhor deixar para assistir ao desfile do segundo grupo, porque do primeiro não vai dar.

Tudo bem, ele iria embora, mas antes precisava usar o banheiro.

Saiu de lá cambaleando e dando gargalhadas.

Com dois livrinhos na mão.

- Não acredito que você gosta de livro de auto-ajuda! Ele falou com voz pastosa.

- Não mexa nisso aí, seu, seu.....

E uma Marilinha furiosa abriu a porta e empurrou com força aquele tonto dali, que, ainda rindo, lascou:

- Pode até gostar de livro de auto-ajuda, mas que é gostosa, isso é.

E caiu durinho na entrada do apartamento de Marilinha.

Marilinha precisou de muita ajuda para resolver o assunto.

E foi encontrar no fundo do corredor.

Mais precisamente no extintor de incêndio.

Quando Valadão virou uma espuma ambulante, ela chamou um táxi.

Com uma gorjetinha, ajeitou o homem-neve no banco de trás e mandou-lhe de volta ao remetente.

Com cachaça, até vaca estranha bezerro!

No dia seguinte, acordou com a certeza de que tinham mexido no seu queijo.

Entrou no carro e decidiu dar uma volta.

Trombou ao dobrar a esquina.

O seu carro, inteiraço.

O do outro, um bagaço.

E viu que não sabia lidar com a situação.

Destampou no maior choro quando viu que seu celular estava descarregado.

Foi socorrida pelo dono do carro destroçado.

Ele a abraçou e disse para se acalmar, que tudo se resolveria, o seguro daria conta do prejuízo.

Ao voltar para casa, deu-se conta que o aprendido nos livros não eram nada práticos.

A vida era uma porção de capítulos desencontrados.

O telefone tocou, tirando-a da concentração.

Era o dono do carro destroçado.

Queria uma carona para levá-la para jantar.

- Gosta de caipirinha? Marilinha logo perguntou.

- Não bebo.

- Tem preconceito de livro de auto-ajuda?

- Nunca li. Mas se existem, devem fazer bem para alguém.

Marilinha sorriu.

A vida não obedecia capítulo algum.