GILDÁSIO E MIGUILIM
Miguilim existe, ele é sobrinho de Dona Carmosina, viúva do “véi” Gildásio, pai de Gilim. Em Minas Gerais, as coisas funcionam desse jeito: quase todo Geraldo, é chamado de Gera, Gê ou Gezim. O mesmo aconteceu com Miguilim, filho do velho Miguel e primo carnal de Gilim. Quando era pequeno, Gilim era chamado deste modo, depois cresceu e passou a atender pela alcunha de Gil. Mas é a mesma pessoa: Gilim de seu Gildásio é o mesmo Gil, o bebum de São João da Lagoa.
Até os 18 anos, Gilim não tinha cheirado a boca de uma garrafa, mas quando se uliou com Miguilim, os dois viraram um pau de cana só. Isso foi no tempo em que São João da Lagoa, ainda era um distrito conhecido como Pitinha. Coisa de 10 anos atrás, considerando-se que já estamos em 2006 da Era Cristã.
Viúva há mais de 15 anos, Dona Carmosina ganhava o sustento da família, lavando e passando roupas para os mais abastados moradores do antigo povoado Pitinha, que, emancipado, tornara-se São João da Lagoa, uma promissora cidade do Norte de Minas.
Camosina nunca quis outro homem dentro de casa. “Homem dá trabalho demais”, dizia ela. Custara-lhe muito criar o filho sozinha, até tornar-se adulto, beirando os trinta janeiros...
Era exatamente no dia de descanso da mãe, que Gildásio lhe dava mais trabalho: meses e anos a fio, o único filho que lhe deixara o falecido marido, trazia amigos para comer e beber de graça em casa. “Filho criado, trabalho dobrado”, pensava ela lá com seus botões...
Sem nada reclamar, a mãe suportava os desmandos do filho, para ela, aquele menino tinha sido a grande herança que recebera. “Menino bom aquele seu, ainda haverá de ser gente na vida...”
Nas primeiras horas de um domingo comum, Carmosina cuidava dos afazeres. Precisava apressar-se, logo os amigos de Gildásio chegariam de mãos vazias e voltariam no final da tarde, de barriga cheia.
Aquele dia, parecia comum como tantos que se repetiam ao longo dos anos, mas não foi! O menino agora, já homem feito, teve um lampejo: “Nem relógio trabalha de graça...quem quiser comer e beber, vai ter que pagar.”
Os primeiros chegados entreolharam-se. Estavam diante de novo cenário: Numa mesa arrumada na pequena varanda, pratos e copos vazios esperavam os convivas, mas nada lhes era servido: nem bebida, nem tira-gosto.
Impaciente, e, de certo modo, afoito, Miguilim pediu para quebrar uma. Queria beber uma cachaça... o tira-gosto viria como consequência do primeiro pedido.
Como numa cena ensaiada, muitos pigarrearam, sem dúvida, uma confirmação de que outros também queriam molhar a goela.
- E aí, Gil! Não vai sair uma pinga?...
- Tá na hora do primo colaborar – disse o anfitrião.
Miguilim deu-lhe dois cruzados. Em seguida, outros também deram pelo menos um cruzado...
No final da festa, Gil tinha alguns troçados no bolso e muitos planos na cabeça: a partir daquele dia, todo domingo era uma grande oportunidade de ganhar dinheiro: vender tira-gosto e pinga na porta de casa.
O prefeito havia construído uma barragem e a pequena lagoa na periferia da cidade, tornara-se um balneário frequentado até pela gente rica de Montes Claros. É isso, pensou ele. “Vou montar uma birosca na beira da barragem e ganhar dinheiro a rodo”. E então, o bebum de São João da Lagoa, criou sua microempresa e tornou-se, anos depois, proprietário do Frigogil, FRIGORÍFICO GILDÁSIO E MIGUEL PEREIRA DA SILVA LTDA., com filial em três cidades mineiras.