Johnny, bandido ou vítima?
Johnny, bandido ou vítima?
Johnny era apenas um menino, como diziam. Apenas um menino perplexo, infeliz e emocionalmente perturbado. Ainda ia completar dezoito anos; bem vividos e escarnecido pela sociedade. E do outro lado eram eles, não seus defensores, mas os defensores da sociedade. Não tentava vê-los nem penetrar no seu íntimo; recusava olhar a sociedade com seus próprios olhos. Era ele sozinho, que se havia tornado um “errado” e estava acabado.
Apenas aquilo não estava acabado. “Eles” tinham-lhe roubado alguma coisa. Talvez seu próprio Deus havia tomado parte desse roubo. Tinham roubado a sua fé. Que provassem o que diziam. Ele iria encarar o problema cientificamente, lançando-se no inferno, para descobrir o que aconteceria. Não aceitaria a opinião de ninguém sobre coisa nenhuma. Encontraria as respostas por si mesmo, a seu modo, experimentando e errando, e pouco ligando às consequências e sem temor.
O medo era uma doença insuportável; um tirano insolente que devia ser odiado.
“Não roube, ou será encarcerado”. “Nós o puniremos. Não peque, ou queimará no inferno”. “Não faça isso! Não faça aquilo”! Não! Não!
Johnny continuou roubando.
Cedo, certa manhã arrombou o cadeado de uma garage particular e tirou o radio do carro que lá se achava. Esse carro era usado por uma Companhia de alarmes contra roubos, e o radio recebia os chamados da polícia. Às vezes ele vendia-os, e outras vezes instalava-os sucessivamente nos vários carros furtados que usava. Roubava placas dos carros inutilizáveis, nos cemitérios de automóveis e colocava-os nos carros que dirigia, usando porcas para facilitar a mudança rápida. Experimentou o emprego de nuvens de fumaça, primeiro com querosene, depois roubando de um aeroporto um pouco de fluido usado para fazer fumaça e escrever no céu pelos aviões. Apropriou-se de um velho revolver calibre 32, sem trava, carregado, e tentou praticar o assalto.
Mas ele ainda era novato na profissão e foi capturado ao assaltar um mercado, quando outro rapazinho, que servia de vigia e carregava o revolver, correu abandonando-o. Foi levado à delegacia, Johnny recusou-se a dar seu nome e não pronunciou uma palavra. Um dos investigadores esbofeteou-o e o chamou de “principiante espertinho”. Quando Johnny persistiu em sua recusa de proferir uma só palavra, o investigador gordo e vermelho que o havia esbofeteado, rosnou: “Nós temos meios de fazer com que “palhaços” principiantes como você soltem a língua”. Pisou nos pés de Johnny ficando com os pés em cima dele. Seus olhos, com a dor, encheram-se de lágrimas.
“Bem, resolveu falar?”, perguntou o “tira”. Johnny acenou vivamente com a cabeça, dizendo que sim. A atitude do “tira” mudou: era todo proteção e benevolência. “Eu disse que tínhamos meios de fazer você falar”, disse ele. “Por isso, você não devia ser recusado a cooperar. Agora vamos combinar lindamente, meu garoto. Maravilhosamente!”
E, de um certo modo, o policial tinha razão. Ele e Johnny combinaram muito bem. Johnny cooperou muito. Respondeu de boa vontade a todas as perguntas que lhe foram feitas. O inspetor estava radiante, muito satisfeito consigo mesmo. “Agora sim, estamos chegando a algum resultado”, disse ele, e a inquirição continuou. Johnny de bom grado, contou tudo o que ele queria saber e o investigador poderia até ter sido promovido por esse serviço se toda essa história não passasse de uma deslavada invenção. Em vez de promoção, o caso terminou como num conto de fadas...
Haviam acabado de tirar as impressões digitais de Johnny quando este, de um salto, pulou uma janela e fugiu.
Isso ficou sendo um jogo: poderia livrar-se de qualquer coisa, contanto que fosse bastante esperto...
Às vezes os acontecimentos se precipitavam com excessiva rapidez, amontoando-se sobre Johnny. Não lhe davam tempo de pensar. E quando isso acontecia, ele isolava-se nos morros e lá ficava, olhando para baixo, pensando.
Ele havia sido um dia escravo desprezado pelos seus senhores. Rebelara-se depois, declarando-se livre. E o que havia de irônico em tudo isso era que sem dúvida dentro em pouco gozaria, na prisão a sua liberdade roubada.
Que pensariam as pessoas bem intencionadas se suspeitassem, por um só instante, que ele considerava o crime mais como a projeção de uma guerra filosófica de idéias em termos físicos, do que um meio de se obter alguma coisa em troca de nada?
Por que tudo isso era claro? Johnny sabia e não sabia. Importava-se e ao mesmo tempo não se importava.
Johnny estava de pé sobre a relva, olhando para baixo. Uma cerca de arame corria dos três lados do caminho que rodeava a piscina. O edifício onde se achavam os vestiários era do lado mais afastado, longe dele. Ele estava no lugar exato onde a terra relvosa inclinava-se abruptamente. Ele permanecia de pé e olhava atentamente. A cólera brotou nele com uma sensação de aperto no ventre, e não era sem motivo. Era uma raiva que insistia em fazê-lo ignorar tudo, exceto o objeto que o inspirava.
Lá estava ela, sua ex-namorada junto à cerca que rodeava a piscina, com um maiô de duas peças acompanhada por dois caras. Reconheceu logo o seu acompanhante. Sonny, espere-me aqui mesmo, vou-me trocar e já volto. Desapareceu no vestiário com um sugestivo rebolar. Sonny parecia enorme, estupidamente grande e tostado do sol.
A raiva de Johnny esfriara. A tarde era quente e o céu sem nuvens, mas não conseguia sentir o calor ardente do sol de verão. Sentia apenas aquela raiva fria e seca que se retorcia dentro dele, transformando-o, não com sutileza, mas com crueldade. Tinha que se conter, esperar, não se importava quão dura fosse a espera. O momento não era propício. Agora sim. Com os nervos a flor da pele, esperou por ele no alto da escada. Sonny apareceu primeiro andando com afetação ao lado da moça. Mais atrás vinham seus dois cupinchas fechando a marcha. Johnny reconheceu todos eles, eram seus rivais em brigas de rua. Johnny sorria como uma caveira pode sorrir.
Sonny ao vê-lo, brincou com ele dizendo: “vejam quem está aqui, é o meu velho amigo Johnny, o raquítico e covarde, falou com visível deboche”.
Johnny não respondeu nada, sua voz era fraca e rouca, mas uma fúria que chegava quase a ser sede de sangue tomou conta dele. Palavras de ódio jorraram subitamente de seus lábios, sem que percebesse ao certo o que estava falando. Ao mesmo tempo seu revolver foi parar na sua mão e disparou dois tiros a queima roupa em Sonny. As balas acertaram na sua perna, que o fez cambalear e cair. No mesmo instante mirou para os seus cupinchas e um deles saiu correndo apavorado.
O tempo passou e as coisas se transformaram como passe de mágica.
Johnny, estava sentado à beira de uma janela com grades. A ronda de vez em quando passava por ali dando nele uma espiada. Ele estava pensativo sobre futurosT acontecimentos. “Eu vou sair daqui em pouco tempo, os pais de Sonny têm um bazar na cidade; farei uma boa visita por lá, antes porém, roubarei uma camioneta para encher de mercadoria; eu sei onde encontrar Sonny e seus cupinchas...