Capitalismo e diabo

Eu era menino pequenininho e conversava muito com minha mãe ex-operária que me dizia: “– Não sei, não... acho que comércio é roubo e que esses comerciantes são todos ladrões”. No que eu pensava no silêncio sábio e indagador de uma criança sincera: “– Não sei, não... acho que a mãe está enganada... a coisa não é bem assim”. Minha mãe era uma mulher apenas (mal) alfabetizada.

Passadas mais de três décadas, sei hoje que minha mãe tinha muita razão. A lógica do capitalismo é o roubo. E já pensei sobre porque eu não gosto da maioria dos ricos que conheço. É que só há três formas de se ser rico. A primeira é herdando riqueza. A segunda é roubando. A terceira é explorando os outros – o que significa “roubar dentro da lei”. Rejeito profundamente essas três formas. Herdeiros não têm culpa? Não. Não têm culpa de nascerem ricos. Já de morrerem ricos... Roubar? O que dizer do roubo... Roubar dá mais trabalho que herdar. Mas também é um artifício “anti bem-comum”, “anti-felicidade”. E quanto a explorar? Bem. Na verdade é isso o que os empresários e comerciantes fazem o tempo todo. Funciona assim: eu sou um comerciante e compro uma caneta que vale cinqüenta centavos por um real. Então eu pego e vendo a caneta para um idiota por três reais e ainda o convenço de que ele fez um bom negócio. Ele pagou quantos por cento de ágio? Calculem. Detalhe interessante é “quem disse que a caneta valia cinqüenta centavos”? É claro que ela valia menos que isso, pois, senão, de onde viria o lucro da industria que a fabricou? Ninguém se sente culpado por vender uma caneta, claro. As coisas são assim mesmo. Mas quem vende ou fabrica canetas costuma levar uma vida muito boa. Ao passo que quem junta moedas para comprar uma...

Isso é a regra. É claro que para toda regra há exceções. Mas será que há empresários ricos que não vivem da exploração dos pobres infelizes? Claro que não. Se assim fosse, de onde viria a sua riqueza. Não existe salário justo. Marx iluminou o mundo com essa teorização (da “mais-valia”), e, ainda hoje, as pessoas acreditam em empresários bonzinhos e salário justo. O cara tem uma empresa com mil empregados e se ufana de ser um cidadão que gera mil empregos, dando assim sua valiosíssima contribuição à sociedade. Ora. A sociedade não lhe deve nada. Muito pelo contrário. Ele, sim, é o grande devedor. O que ele tem são mil escravos a patrocinar suas viagens pela Europa e suas construções de belos imóveis pra deixar de herança. Muito bonito. Há bons ricos? Provavelmente sim. Como eu disse, as regras têm exceções. Mas não se enganem: são meras exceções.

Ateu, eu não creio no diabo. No entanto afirmo que se houvesse diabo, o capitalismo seria a sua obra-prima. Não sou teísta nem satanista, graças a Deus. E não sou hipócrita a ponto de não admitir que gosto de alguns frutos da sociedade capitalista industrial. Gosto de carro, de cinema, etc. Minha mente é colonizada como a de qualquer mortal. No entanto tenho um grito dentro de mim, que eu gostaria que os ricos do mundo pudessem ouvir: “– Menos!”.

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