Uma senhora
Uma senhora (73 anos), corcunda, com guarda-chuva aberto (mas não está chovendo) leva uma sacola com objetos aparentemente não identificados. A senhora tropeça em um buraco na calçada e cai. Um homem muito alto (40 anos) com aparência cansada (olheiras) ajuda a senhora a levantar quando se abaixa consegue ver uma faca presa em seu cinto. O homem mal conseguia levantar, sentiu uma coisa fria espetar seu pescoço, olhou com o rabo de olho e viu que era uma faca comprida e fina, lamina de ouro. A senhora tendo visto que o homem tivera visto a faca em sua cintura já foi logo se apressando em dizer: Não se assuste não, não vou te machucar, ela falou com voz trêmula.
Apesar de a faca ser um tanto assustadora, ou talvez seja ela. Com cara toda pintada, boca vermelha cheia de batom borrado, as bochechas murchas com avermelhado que mais pareciam tapas que ela levara no rosto, os olhos grandes pintados de roxo, com um excesso tremendo de rímel, era mais que assustador era horrorizante. Tudo o que o homem queria era sair dali, pensou em largar tudo e sair correndo sem ao menos olhar pra traz. Preciso ficar calmo pensou. Procurou levantar-se com calma como se não estivesse escutado uma só palavra do que o mulher dissera. Na realidade talvez não tivesse escutado mesmo. Levantou-se sem coragem de olhar para ela, pegou a sacola e lhe entregou. Ela fez menção de que iria puxar a faca da cintura, o homem arregalou os olhos, sentiu suas pernas tremerem. Meu Deus o que será isso? Eu com medo de uma senhora só porque ela tem uma faca? Mas. . . E se ela estiver disfarçada? Se for um homem? Não pode ser. Pensou ele.
Ela então lhe olhou nos olhos, com olhar de inocência parecendo criança sem ao menos saber o que estava lhe passando pela cabeça. Seus olhos encheram-se de lágrimas como se fossem rios que iam transbordar. Ele sentiu um profundo alivio sem saber explicar pra si mesmo o que poderia ser aquele olhar lhe tocou profundamente. Que mal poderia me fazer uma senhora? É só uma faca nada mais, que tolo eu imaginando coisas, com esse olhar tão puro tão inocente.
Ele lhe abriu um sorriso, ela agradeceu. Obrigada senhor, não tem de que ele respondeu. Saiu fazendo o pior gesto que fizera na sua vida, deu as costas para a mulher, que olhou para um lado e para o outro e num só golpe lhe enfiou a faca no pescoço, fazendo o homem cair de joelhos e depois deitar no chão. Ela lhe olhou nos olhos novamente e disse: - Se tivesses olhado um pouco mais fundo dos meus olhos teria visto o interior da minha alma. E saiu.
Foi embora como se nada tivesse acontecido pensando: Quem tira uma vida, paga com a sua, foi por você mamãe. E a lágrima lhe desceu o rosto, molhando sua boca, com gosto salgado de água de rio.