BOA MISTURA: Tarantela & Bacalhau
 
Sou brasileiríssima, produto da miscigenação de portugueses, espanhóis e italianos - mistura da boa, genuinamente brasileira.
 
Convivi mais com meus bisavós, pais de minha avó materna: ele português, ela italiana.
O vovô português era extremamente dominador. A bisnonna, talvez por ter emigrado ainda criança e casado aos 14 anos  ou  talvez para não perder o gajo, entregou-se aos hábitos lusitanos. Por fim até bigodinho tinha, ora pois.
Entre outros costumes, dominou a culinária portuguesa com perfeição. Cresci entre bacalhoadas, doces de ovos, caldos verdes e vinho do Porto. E ai dela que se atrevesse a fazer uma pasta al dente... Oh, raios! 
Nada naquela casa lembrava a presença de uma italiana. Ela até cantava fados. Era uma casa portuguesa, com certeza. Ainda hoje seus descendentes são conhecidos como portugueses. Certamente não eram filhos da mãe, só do pai.
Lembro-me que o vovô Manuel - esperavam outro nome? - fazia piada quando falava no assunto.

Os ascendentes da bisnonna chamavam-se Deboni. Ela, talvez pela precariedade dos registros, muito comum na época, passou a ser Debom. Ele dizia que ela deveria chamar-se do Bom. E o bom era ele, o gajo, claro. 
Eu o amava muito e tenho saudade, mas ainda menina, resistia à autoridade inquestionável dele. A gringa não podia nem cortar os cabelos, ele não gostava e ponto! Era um tal de: Faça! Não faça! Pode! Não pode!  As ordens eram constantes e indiscutíveis.
Quando ele morreu, eu tinha 17 anos e minha diversão preferida, uma pequena vingança até, era provocá-lo com piadas de português.
Ele se foi... A bisnonna estava viúva. Adeus fado, que venha a tarantela? Não veio, ora pois.
 
Pois bem, creio que sou uma mistura homogênia, sem predominância evidente de nenhuma das culturas de meus antepassados.
Do bisavô português herdei a inteligência. E se, por acaso, isto parecer piada, podem ter certeza de que é, dele herdei o bom humor. Autoritarismo não combina com inteligência. Não é preconceito, pois o gajo tinha outras qualidades que desmentem as piadas sobre portugueses e que também não herdei.
Os calientes espanhóis deixaram-me de herança o gosto pelas rendas pretas e a cor dourada da pele e nem uma só moeda de ouro. Até que foram generosos, pouco convivi com eles.
O gosto pela cultura italiana não sei de quem herdei, já que minha bisavó italiana, com certeza virou portuguesa. O fato é que justamente a cultura italiana é a que mais me encanta, talvez até para honrá-la e vingá-la da opressão do vovô.
 
Toda vez que volto à Serra Gaúcha, Garibaldi, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, região dos vinhedos de colonização tipicamente italiana, fico encantada! Tenho verdadeira paixão por essa região, pelo vinho, culinária, pela alegria barulhenta dos italianos.
Um bendito e bem dito amore mio  ao pé do ouvido é capaz de derreter um iceberg.
Um choroso fado não vale meia tarantela para mim.
Ao vovô e demais portugueses, dou uma boa razão para perdoarem-me: adoro bacalhau! Fios de ovos, então...
Não tenho nada contra a cultura portuguesa, mas pela italiana tenho paixão! E não culpem o Radicci, aquele meu gringo gostosão que fala porca miséria! Ainda não consegui fazê-lo dizer amore mio, mas nem por isso vou culpá-lo por essa paixão, que é muito mais antiga do que ele.
 
Uma vez por mês, eu reverencio a todos. E isto acontece naqueles dias... Aqueles! Os dias de TPM.
Fica tudo muito complicado, é uma combinação irada e descontrolada de Oh, raios! Hijos de una gran puta! Maledettos!   Mas isto é assunto para uma outra crônica, ora pois.

 
 
 
 

Tânia Alvariz
Enviado por Tânia Alvariz em 25/08/2009
Reeditado em 30/05/2011
Código do texto: T1774413
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