A Medicina da Imoralidade

É incrivelmente lamentável a quantidade de assuntos fúteis e até maldosos que rolam no restaurante da Universidade de Brasília - RU - : opiniões nada respeitosas expressadas a respeito da mãe de alguns professores, fuxicos sobre aquela morena 'gostosa' que está na fila de entrada, dúvidas relacionadas à 'cor-sabor' do suco oferecido no dia e de outros dias também... onde será a farra da quinta-feira? temos mais calouros ou mais calouras? negras ou loiras? ô povo que tem assunto meu deus! Conversar é muito bom: contribui bastante para a sociabilidade no meio acadêmico; aliás em quase todos os relacionamentos humanos, além de ajudar no fortalecimento dos vínculos afetivos. O grande problema é que nessa empolgação toda tem sempre alguém do lado que ouve essas conversas; e o sujeito não tem culpa de nada, está por lá almoçando como todo mundo e de repente escuta os comentários; e se for um cara 'cri-cri'? acredito que essa expressão tenha sido originada a partir do termo 'critico', não vem ao caso. Estava eu no RU um dia desses e me encontrei em meio a uma situação inusitada; uma cena das mais chatas e espero muito que não seja corriqueira, como tantas outras: naquelas mesinhas enfileiradas de lá fica-se muito próximo das pessoas. À minha direita sentava-se uma jovem de uns dezoito anos talvez e de muita elegância, estava com um ar de concentração e expressão muito séria. Em poucos minutos chegam dois rapazes do curso de medicina; percebia-se pela roupa que usavam: aqueles sapatos, calças e camisetas tão branquinhas que parecem ter acabado de sair da lavanderia; deviam ter uns vinte e poucos anos, tinham muito boa aparência e falavam bem a bessa: do tipo que ainda mantêm verbalmente a expressão 'estávamos'; é bonitinho! enfim; reclamavam de alguma coisa na comida que, segundo eles, cheirava mau e passaram uns cinco minutos divergindo entre o vinagrete ou a cenoura como sendo os culpados. A jovem ao meu lado parecia incomodada com alguma coisa, talvez com os futuros médicos; não era a única. Terminou de almoçar antes de mim e saiu rapidamente, como se fugisse de uma situação desagradável, deixando-nos em companhia de um silêncio um tanto quanto apetitoso pra mim, mas que tinha, naquele momento, uma razão de ser: um dos rapazes, depois de esperar que a jovem se distanciasse, comentou em voz baixa com o colega:

- esta moça que acabou de sair daqui fez um exame urológico no hospital universitário semana passada...

o seu colega olhou de relance e ficou em silêncio; talvez por perceber algo que seu amigo não o tenha feito. Falou em voz baixa, mas o suficiente para um cara 'cri-cri' escutar. O juramento Hipocrático, embora tenha ,hoje em dia, mais de simbólico do que de eficaz, é realizado no final do curso de medicina, no entanto deveria ser feito, por eles, todos os dias, para que os futuros médicos não esquecessem dos verdadeiros fundamentos de sua arte. Nesse momento eu saia da mesa, mas eles continuaram; estarão por lá amanhã, depois ,e, com certeza, os comentários fúteis e maldosos também, infelizmente.

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Vagner Silva
Enviado por Vagner Silva em 25/08/2009
Código do texto: T1773753
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