A passagem da Tia Maria, de Brasília
A passagem da Tia Maria, de Brasília
Perdi na semana atrasada, uma tia muito querida da família, que morava em Brasília. Os haicais que publiquei com o título de "Brasília: exéquias e flores na lápide" retratam justamente o seu funeral.
Pense: uma mulher urbana, chegando a uma fazenda no interior de Goiás - onde residia o resto da família, com os cabelos pintados de louro e cortados à la Marilyn e, vestindo-se na moda de capital do país? Oh, os ciúmes das senhoras da região...
Depois de mandar recado da chegada pela rádio Difusora de Goiânia, ela chegava trazendo presentes para a família e, não me esqueço, roupas e remédios coletados nos hospitais de Brasília, para passar para as famílias necessitadas da região, inclusive as nossas, cuja qualidade de vida, em nada diferia das demais: moradia em casa de pau a pique, renda vinda da lavoura e gadinho, escola a 6 quilômetros de distância, médicos a 100 quilômetros de distância e, por aí, ia...
Com ela sempre o primo Dadino, seu filho único, trazendo as novidades e informações da capital -, gibis, bola de couro e, uma radiola, pra gente ouvir The Fevers e outros astros da jovem guarda e, coisas que os meninos das grandes cidades tinham acesso.
Ela era uma mulher independente e de temperamento fortel. Mas, tinha um coração imenso, de ouro. O que ajudou de gente da região, levando pra Brasília para tratamento, cirurgias, arrumar emprego, não foi pouco (exemplo no qual foi seguida pela filho) e, ficavam sempre abrigados em sua casa, à suas expensas...
Os álbuns de toda a família tem fotos que ela tirava com a velha Kodak de gaveta. São um retrato das famílias de meu pai e irmãos, em momentos e, situações informais, nos quintais das casas, nos ambientes de trabalho e, pela paisagem da fazenda, muito diferentes daquelas fotos obtidas por fotógrafos profissionais, que faziam excursões de serviço pela zona rural.
Um parêntese: as fotos tiradas por esses profissionais eram características, pois as poses sugeridas aos fotografados era, quase sempre, chapada, hierática - menos aquelas que eram feita para ex votos -, que erguiam suas figuras ao padrão de dignidade merecido, tendo de fundo, quase sempre, os tecidos quadriculados das cobertas de algodão usadas pelas famílias dos caboclos, que eram postas para disfarçar a feiúra das paredes de pau a pique.
Fiquei muito emocionado com a passagem dela, pois aquelas vindas dela e do filho único à fazenda, sem dúvida influenciou muito no futuro do restante da família, que habitava a fazendola de meu avô, pois todas migraram para a cidade, em busca de melhor qualidade de vida e oportunidades de sobrevivência.
Mas, sei que, pelo que ela fez aos irmãos da terra, deve ter um bom lugar no Paraíso, na hora do descanso.
Penso muito nisso: a gente não pode passar a vida sem agir e, pensar pelos outros. E nesse sentido, ela foi e é um exemplo de atitude voluntária, em favor do próximo.
A benção, Tia Maria. Deus te conforte, meu primo Dadino!