E se falhar?

Hoje acordei pensando em encontros e desencontros. No que é acaso e no que se planeja, detalhadamente. Quantas vezes não desejamos deixar a nossa sorte nas mãos do acaso e pagar para ver, literalmente? E porque em outras circunstâncias preferimos não correr nenhum risco e preparar tudo, todos os detalhes, nós mesmos, como se fosse um caso de vida ou morte, sem confiarmos no destino? Será que podemos confiar no invisível? No que não se vê, não tem cheiro, sabor, não se toca, não se ouve, não se conhece?

Uma mulher se prepara para um encontro amoroso. Ansiosa, fica ali na frente do espelho buscando defeitos, imperfeições. A pele sem luz, precisa de creme. As sombrancelhas, de pinça. A bunda, de ginástica. Escolhe cuidadosamente a lingerie que vai usar. Pensa no homem com quem vai se encontrar. Passa o perfume e se maqueia. Se olha uma última vez no espelho e suspira. Agora que já planejou tudo, absolutamente tudo, nos mínimos detalhes, pensa em mudar de idéia e cancelar. Nada neste dia ficou ao acaso. Mas, e se ele não gostar da lingerie? Do perfume? Do cabelo? Da roupa? Do restaurante? Dela? E se falhar?

Uma menina se prepara para o primeiro dia de aula. Acorda cedo. Aliás não dormiu bem a noite inteira, achando que ia perder a hora e se atrasar. Tira o pijama e joga em cima da cama. Entra no banheiro, escova os dentes e o cabelo, e lava o rosto. Volta para o quarto e veste a roupa que escolheu ontem, a dedo, para o primeiro dia de aula. Pega também os livros, as canetas coloridas, a agenda nova e os cadernos encapados que comprou especialmente para o novo ano escolar, colocando tudo na mochila. Na saída promete para si mesma ter um ano bom, não vê a hora de reencontras suas amigas, de ser boa aluna. Nada neste dia ficou ao acaso. Mas, e se o ônibus atrasar? Ou se seus amigos tiverem mudado de escola? De classe? Se não conseguir fazer a lição de casa? E se não gostar da professora? Se falhar?

Um homem se prepara para uma reunião de negócios. Lê atentamente o relatório que preparou na noite anterior. Sabe que precisa convencer o seu cliente nesta reunião e estrategiza. É só uma questão de fechar o negócio, está tudo pronto. Pensa nas forças, fraquezas e oportunidades da concorrência. Repassa mentalmente os seus argumentos. Tudo planejado nos mínimos detalhes. Nada para o acaso. E se, na última hora o cliente mudar de idéia? Chegar de mau humor? For desonesto? Tiver fechado com a concorrência? E se falhar?

Um homem e uma mulher se conhecem numa festa. Ela é jovem, ele também. Vem de mundos distantes, mas se encontram. Conversam sobre música e livros. Gostam das mesmas coisas. Ela se sente mulher. Ele pensa no futuro. Passam a noite juntos. Na cama se descobrem. O corpo dela combina com o jeito dele. No sono tranquilo a certeza mútua. De manhã ela vai embora. Deixa no travesseiro o cheiro do perfume dela misturado ao perfume dele. Tudo ao acaso. Nunca mais se encontram. Nao planejaram nada. Falha.