Monopolismo

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Observo algumas pessoas ao meu redor. O telefone de uma delas toca. Ela atende e, interrompendo um cochicho com outro colega advogado, responde, baixinho, ao que provavelmente o interlocutor perguntara. Estávamos durante uma audiência de conciliação no Fórum da Comarca.

Algo curioso me chamou a atenção. O advogado, ao ser perguntado pelo colega sobre o horário, abriu o flip do celular e respondeu: ‘São nove e quarenta!’

Imediatamente eu joguei um olhar certeiro para o pulso do causídico. Para minha perplexidade, havia um lindo relógio de marca. Era uma máquina elegante e bastante sociável, com uma pulseira prateada que me ofuscou um pouco a visão.

Passei a observá-los mais amiúde – advogado e relógio. Este permanecia impassível; aquele, muito sobressaltado, assustava-se até com a movimentação do ar que nos circundava.

De quando em vez o nobre advogado movia a pulseira do relógio num ato que me pareceu mecânico. Entretanto, a única intenção que se me mostrou pertinente, foi a de distração. Ele movimentava a pulseira do relógio da mesma forma que uma criança manipula um brinquedo, despretensiosamente. Quando a preocupação era com o tempo e duração da audiência, todavia, lá estava ele abrindo o celular para conferir que horas eram.

A magistrada deu por finda a audiência, mas em mim continuou uma inquietação inconciliável – eu me vi digladiando comigo mesmo, buscando explicações. E as busquei...

Quando um cara lá dos estrangeiros inventou o telefone, revolucionando os meios de comunicação, os aparelhos, enormes à época, eram verdadeiras obras de arte que davam aos donos, além de poder, uma empáfia transcendental. O efeito equiparava-se ao de se ter na parede do vão principal da casa o certificado de um curso de datilografia, na década de oitenta. Tinha uma tia, já falecida, que fazia questão de nos mostrar o certificado do filho. Dizia ela:

– Estão vendo! Meu filho tem datilografia! – era mesmo uma mãe orgulhosa.

Vamos caminhar, pois, como dissera Cazuza ‘O tempo não pára!’ – ainda estamos em época de transição ortográfica e não tenho certeza da correta grafia. Assim, manterei a forma anterior do ‘pára’, com acento diferencial. Os gramáticos de plantão que me corrijam!

2009 – ano de noves fora dois... Tempo bom o da época das tabuadas! Dois lembra casal ou casais. Usando argumentos interdisciplinares, coisa de pedagogia moderna, vislumbro meus amigos de faculdade exibindo, nos celulares, filmes pornôs caseiros de garotas da região, preferencialmente exibições de esposas com os maridos naqueles caseirinhos que caíram em mãos erradas e, plaft!, foram lançados na rede mundial. Há também uns filmezinhos de universitárias afoitas que certamente tirariam dez em matéria de... Esqueçamos!

Celular que vira filmadora. Celular que vira televisor. Celular que vira detetive. Celular que manda mensagens via bluetooth e infravermelho. Celular que tira fotos e possui cartão de memória. Vira, vira, vira... E celular que vira telefone e faz ligações! Oba! Podemos nos comunicar por eles!

Ufa! Cheguei ao meu lar, doce lar... Cidade pequena. Moro bem próximo ao fórum. Aliás, moro perto de tudo! Abro o portão de acesso através do celular. Entro. Vejo a televisão. Vejo o som que comprei em doze vezes. O relógio de parede que enfeita a cozinha também está lá, pendulando, e indicando que são dez horas e dez minutos – curiosamente, o instante em que os ponteiros do relógio parecem sorrir pra todo mundo, mas que agora sorriem apenas para mim!

Subo. No segundo pavimento da casa: um DVD, outro televisor, outro som... Abro o flip do meu aparelhinho e vou assistir a um filme que minha filha baixou pra mim, pondo-o no cartão de memória do meu celular que possui dois chips. Desespero-me!

Num acesso de loucura quebro o televisor e o DVD. Desço até o pavimento térreo e jogo tudo o que me faz lembrar celulares... TV, relógio de parede, som... Por engano, o micro-ondas também se foi. Buscava mais futilidades dentro de casa. De repente, o portão se abre e um carro, segundos depois, estaciona. Era a esposa. Ela entra e, ao ver a bagunça, grita:

– Meu Deus, que foi isso?!

Indiferente, vendo meu filminho no celular, respondo:

– Estava dando fim às coisas inúteis que temos em casa...

Num ato de loucura, somente isso lhe explica a reação, ela pega o celular que estava sobre a mesa, o meu querido celular, e o joga no chão!

Não houve nenhuma troca de agressão posterior. Apenas nos abraçamos e, juntos, como jogadores de um mesmo time, após perderem uma final de campeonato, começamos a chorar.

Crato-CE, 23 de agosto de 2009.

10h23min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 24/08/2009
Reeditado em 21/06/2011
Código do texto: T1771586
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