Lacuna
Não era pedir demais. Era só um desejo, só um, simples.
Invejava aqueles tão completos, que faziam-na sentir tão fragmentada, esburacada, ausente. E a ausência doía, latejava. A atmosfera feliz dos bem sucedidos era como ácido tocando suas feridas, era entojante, e só servia para aumentar seu desprezo. Por tudo e por todos. Seu desprezo, e seu vazio.
Sentia muita falta.
Não sentia falta dele, sentia falta de si. Sentia falta do pedaço dela que ele levou no dia em que decidira partir.
Quando ele se foi, ela ficou só, e cada vez mais se afundava naquela solidão lamacenta que a consumia dia a dia.
Não queria padecer daquela forma, suspirava o tempo todo por uma salvação. Suplicava, desesperava. Tinha sonhos, fazia planos, ansiava exaustivamente por aquilo que a livrasse daquele martírio. Olhava desesperada buscando aquilo que jamais esteve ali, aquilo que sequer chegou a conhecer.
Parece até um pouco complicado, mas na sua mente era bem simples.
Tudo o que ela queria era alguém capaz de compreender suas metáforas, identificar suas citações, e sorrir. Não precisava de nada demais, de muita atenção, de muitos gastos, nem de muito carinho, bastavam algumas certezas. Lhe bastava a certeza de ter ao seu lado alguém que a compreendesse muito bem, seja com metáforas ou não, em sentido estrito ou figurado, que seja em silêncio.
Não queria jóias, flores, chocolates, queria palavras, segredos, sorrisos. Queria recitar poesias, trocar livros, completar frases, apreciar filmes antigos, compartilhar dos mesmos gostos, dividir pequenos prazeres. Queria não perder a fé de que havia no mundo um outro como ela.
Acho que seu problema era mesmo as metáforas.