A imaginação

Eu ouvia vovó Eudóxia tocar piano e achava lindo. Voltava para casa, punha um disco na vitrola e me ajoelhava diante da mesinha da sala. Tirava o que houvesse por ali e dedilhava furiosamente a madeira, como se fossem teclas. Acompanhando a orquestra, minha cabeça ia e vinha em movimentos que se tornavam mais violentos ou mais suaves, conforme a música. Eu era capaz de ficar muito tempo concentrada nessa tocação e ela só terminava quando algum menino aparecia e se punha a rir de mim.

Eu também gostava de brincar de gente grande e, para isso, me servia de certos apetrechos de mamãe. Ia até seu armário e pegava o que me parecia necessário: sapatos de salto alto, um sutiã e um baton. Passando pela cômoda do bebê – lá em casa sempre tinha um bebê – pegava uma fralda.

Já em meu quarto, diante do espelho, começava a transformação. Vestido o sutiã, era preciso preenchê-lo e eu o fazia colocando uma bolota de par de meias de cada lado. Disfarçado pela blusa, aquilo ficava um peitão bonito. Enchia a ponta dos sapatos com algodão até que ficassem confortáveis. Depois, pintava os lábios com baton e fazia duas rodelas vermelhas nas bochechas. Por último, era a vez da fralda. Aposto que vocês já estão curiosos para saber o que é que gente grande ia fazer com uma fralda. Para mim, ela se transformava numa cabeleira, que eu balançava de um lado para outro. De vez em quando, até a jogava para trás, com uma das mãos, num gesto que imitava as moças de cabelo liso.

Assim arrumada eu andava pelo quarto carregando a boneca. Com ela eu ia ao centro fazer compras ou para mais perto da janela, onde morava minha amiga que também tinha uma filha. Nessas horas eu falava alto em vários tons, ora imitando minha mãe, ora a vendedora da loja ou então fazendo a vozinha fininha da boneca.

Mamãe não gostava que a gente fechasse portas com chave, por isso minhas brincadeiras às vezes eram interrompidas por alguém que entrava de repente no quarto. E esse alguém era sempre um menino!

(escrito em 1991)