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Solidão não é coisa de gênio, nem de miserável, nem de carente. Solidão todo mundo tem um dia, mesmo que rapidinho. Às vezes ela bate e volta, mas algumas vezes ela consegui driblar os anticorpos e se instala.

Meu dente está doendo. Estou me sentindo sozinha demais para caber nesse edredom.

O dia hoje está muito esquisito, chove, faz sol, tem calor de molhar a calcinha e bate um vento frio que dói a garganta. Como eu, ele vai e volta. Como meu coração, ele não sabe o que fazer e vai derrubando tudo a sua volta.

Meu dente dói, minha garganta dói, meus pés doem.

Um médium me disse que dor nas pernas e na coluna é medo de mudança. Também ouvi dizer que arrumar guarda-roupa e objetos é uma forma de arrumar o intimo. Meus pés doem que chegam a tilintar. E estou sem a menor paciência para arrumar alguma coisa.

Já tive coleção de cds, de livros, de discos de vinil, de borrachas, de papeis de carta, de álbum de figurinhas, de chapéus, de chaveiros, de canetas, de lápis... vendi tudo e doei o que sobrou. Confesso que a venda do primeiro cd me fez cair em lágrimas, mas depois tudo foi indo embora com muita facilidade. Numa ação desesperada de necessidade, consegui dar um passo maior dentro de mim. Sempre me apeguei muito a objetos e coisas sem vida, como se falassem comigo e me amassem. São meros objetos inanimados os quais me dedicavam por algum tempo em minha vida.

Para que tanta roupa, louça, adereços? Lindos, belos e passageiros... não me importa mais se amanhã eu tiver que ir morar em outra cidade e refazer meus queridos objetos. Porque os papeis se vão, as roupas se acabam, mas as lembranças não. O diário portátil que carrego no meu cérebro, cabe todas as lembranças e acontecimentos e não permite nem aquela memória seletiva de captar somente as coisas mais intensas. Ta tudo lá! Cheiro, visão, sons, sensações, gostos, sonhos, angustias, amores, raivas...E o melhor, ninguém pode tirar isso de mim.

A porta da solidão, as coleções... os apegos. Tudo tão atrelado a nada, ao vazio que cultivamos. Até a dor de dente que vou curtindo até esquecer que é o dente que dói e não o coração. Dizem que os cegos vêem tudo preto porque vêem mais. Será que eles se sentem solitários ou tudo é uma questão de perspectiva?

Hoje me desfaço facilmente de objetos os quais não nutro mais sentimentos de amor e apego, mas cada vez é mais difícil me separar dos afetos. Esses sim, são aderentes a alma.