A escolha do vizinho
Se você pudesse escolher seus vizinhos, a quem você escolheria?
Com sinceridade, muitos responderiam nomes de celebridades pelas características desejáveis que a mídia divulga. Outros diriam que estariam bem tendo sua casa ladeada por vacas num imenso pasto, ou quem sabe cachoeiras e lindas florestas inspirados pela onda do verde. Talvez eu me enquadrasse no segundo grupo, pois certa vez vi uma propaganda de imóveis no litoral anunciando que a grande vantagem daquele investimento era que o seu vizinho mais próximo estaria na África. Honestamente, isso me fez pensar e sonhar com a possibilidade de um dia investir nisso.
Penso que seria anormal alguém responder que gostaria de ser vizinho de pessoas doentes ou cheias de necessidades. Pois é, foi isso que aconteceu comigo na minha adolescência. Não fui morar ao lado deles, mas aquele casal com sua pequena mudança chegou e rapidamente entrou na casa ao lado da nossa. Não tão rápido quanto sua mudança a mulher entrou em sua nova casa, pois caminhava arcada carregando uma corcunda nas costas. Uma imagem grotesca, e mais impressionante ainda é o que teríamos nos próximos anos de vizinhança.
- “Irrrrrrmaaaa....Irrrrmaaaaa...”. Aqueles gritos roucos e arrastados tornaram-se rotina e não tinham hora nem dia para invadirem meus ouvidos e estremecerem minha alma. Era minha vizinha - a dona Idalina, chamando pela minha mãe, ou melhor, gritando por socorro desesperada e quase sem ar. Quase sem ar porque sofria de asma e bronquite, o que obrigava ela a viver junto à janela sugando com avidez o ar como um peixe num rio sem oxigênio. Vivia como prisioneira daquela janela, pois dali ela não saia nem para dormir.
Mas o que agravava seu sofrimento mesmo era a indiferença que seu marido lhe concedia, somado a uma estranha hérnia que surgia de dentro da sua barriga como se um melão inteiro quisesse sair pelo umbigo. Esse era o motivo de seus gritos chamando sua vizinha, que prontamente corria para empurrar aquele “sei lá o que” pra dentro, já que as mãos da pobre mulher eram retorcidas como raiz e incapaz de fazer isso sozinha. Dizia ela que aquilo era macumba, que a namorada de seu marido havia feito pra tirá-la do caminho dos pombinhos.
Seu marido era uma figura simpática. Aquele típico senhor que ninguém imagina que faria mal a alguém. Geralmente com um guarda-chuva pendurado no braço andava bem vestido com roupas de linho. Certo dia, meu pai incomodado com a vida sofrida de sua mulher, perguntou o que ele já tinha feito para amenizar o sofrimento dela. Com um sorriso mostrando um dente de ouro disse que já havia feito uma promessa para um santo. A promessa era deixar a barba crescer, mas como isso estava difícil, pois sentia-se muito incomodado com a barba, pagou seu voto comprando uma pele de carneiro. Recortou-a na forma de longa barba, e fixando-a no rosto foi até o santuário entregar seu sacrifício. Desde aquele dia percebi que a pessoa mais próxima daquela mulher era sua vizinha mesmo.
A solidão dela encontrou a solidariedade da vizinha como o sedento encontrou as fontes no deserto. Certamente o Senhor que fez as fontes que saciam também fez o vizinho que vale mais que o irmão que está longe (Provérbios 27.10).
Dona Idalina, alguns anos depois, mudou-se para outra casa, mas continuou a receber cuidados de minha mãe e irmã até onde seu fôlego agüentou. Escolher amigos e inimigos pode pertencer a nós, mas escolher vizinhos é um mistério reservado ao Senhor a fim de mostrar-se presente na vida de muitos através do próximo mais próximo, dando-nos a oportunidade de andar duas milhas quando nos pedem uma.