Pertencer
 
A sensação de pertencer talvez não seja essencial à felicidade de todos, mas faz parte da humanidade. No Rio Grande do Sul, onde o tradicionalismo impera, dizem que até o banco do estado “tem orgulho de ser gaúcho”. Quem morou em São Paulo, ainda que num curto espaço de tempo, aprendeu bastante sobre bairrismo, que não existe só por lá. Há a diferença, um tanto nebulosa, entre paulistas e paulistanos.
          Junto a essa sensação de pertencer a um grupo, a uma etnia, a uma ideologia, a uma família, a um casamento, a uma religião, a uma profissão, etc., com que tanto nos identificamos e achamos que ali estamos contidos, somos amados e, por isso, especiais em relação ao resto, procuramos e encontramos um rastro para a segregação.
          Quando ouvimos que fulano é do nordeste, mesmo que o "nordestino" em questão tenha nascido em Manaus ou em Goiás, que ficam no Norte e no Centro-Oeste, a preocupação maior deveria ser com a discriminação do que com a falha de conhecimento geográfico.

          Bons tempos em que, crianças, ao ouvirmos que o Milton Nascimento era um cidadão do mundo, sonhávamos em ser alguém assim. Que não pertence a nada, mas faz parte do mundo, sua alma identificada com outras de tantos lugares. Hoje, não sabemos se também não era uma forma de pertencer, ser assim tão universal.
          Ao nascermos e durante a infância a necessidade de pertencer a um núcleo que cuide de nós é essencial à sobrevivência. Depois, na adolescência, queremos é ser diferente dos nossos, mas também buscamos pertencer ao grupinho do chiclete, uniformizados de camisetas e jeans. Já houve os “punks”, os “darks”, agora há os “emos”, um grupo que chora por qualquer coisa.
          Vem a seguir a profissão, o casamento, os filhos. Não necessariamente nessa ordem. Separações sempre são necessárias para o crescimento. Mesmo não havendo dissolução do casamento, os filhos crescem e saem mundo afora. Nosso trabalho não se faz mais necessário. Chega a aposentadoria. No mostrador da roleta do ônibus, ontem ao passar um senhor, apareceu a mensagem: “passe, idoso”. Curiosamente para idoso e ditoso há só duas letras de diferença. 
          E agora? Ainda pertencemos a algo? Estranho mundo onde se classificam pessoas. Perdemos o nome, a identidade, o gosto por uma infinidade de coisas, até mesmo nossas doces idiossincrasias, para sermos: idoso, aposentado, viúvo, separado, solteiro, gay, nordestino... Sempre os rótulos, quando precisaríamos, isto sim, apenas ser. A essência do humano.



______________________________________________________
meriam lazaro
Enviado por meriam lazaro em 23/08/2009
Reeditado em 20/02/2010
Código do texto: T1769673
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.