QUEM LHE FALA (Notas do Subterrâneo)
Cala a tua boca!
Não vê que sua presença não é bem quista. Olha ao seu redor e vê se há alguém que por você tenha alguma, a mínima, consideração.
Como tantos outros, você foi, no alto do seu castelo, construído às expensas da exploração alheia, senhor de almas. Não se deu conta que aquelas pobres pessoas, que você tanto humilhou, queriam apenas trabalhar e viver. Era querer demais?
Julgava tudo o que os outros valiam é que não valiam nada.
Não dava valor a nada, a nada que não fosse seu. Não se emocionava com a mãe que dava de comer ao filho, que vibrava ao narrar as travessuras daquela criança. Que agradecia a cada quilo que aumentava, ficando mais bonito e robusto, enquanto ela definhava. Nada, absolutamente nada, fazia-lhe sorrir. Não via graça nas graças daquelas míseras crianças que dum osso de galinha elaboravam seus brinquedos. A propósito, você sabe o que é brincar, já desfrutou dos milhares que se acumularam no seu amplo armário? Não precisa responder. Pelos seus desdenhosos olhos vê-se que não. É triste, sem brilho. É duma opacidade tanta que nem dá pra saber se um dia teve vida.
Olha pra mim! Não vire essa cara. Não admito que me virem à cara!
Está bem, vire então essa cara sem expressão. É bom mesmo que você vire, não tenho estômago pra te olhar.
Diferentemente de você sou sincero. Não sei enganar, não sou aquilo que gostaria de ver; sou o que sou, por isso sou autêntico. Não existem meios de ser outro. Ainda que você tente, serei sempre eu que te olha, que te julga, que te condena às mais severas penas. Não sou complacente. Não te mandarei às cadeias, delas, com o sistema carcerário que temos, se foge num piscar de olhos e pessoas como você sabe o preço, todos têm um preço, é sua frase predileta. A pena que te sentencio não será cumprida entre grades ou guaritas, que ocupadas por guardas mal pagos, por um punhado de dólares, te darão a liberdade. É a pena mais temida, pois não tem portões. A pena que lhe imputo será cumprida para sempre, dela, por mais que tente, não terá fuga. Não há dinheiro que a suborne.
Como vê, vil criatura, não existe escapatória; onde você estiver, lá estarei, a cada minuto da sua mal vivida vida, eu lá estarei. Não adiante chorar, como você, não me comovo com lágrimas. Lembra-se “não me interessam os problemas dos outros”, essa é sua, também, predileta frase, e você repetiu-a três vezes para aquela mãe que, ajoelhada, implorava sua ajuda para que sua filha não morresse a espera do remédio, e você disse isso a ela. Via-se no seu olhar um ar de superioridade em vê-la suplicante. Como vê, torpe ser, sou tão sincero que não tenho medo de lhe dizer isso.
Isso vai embora mesmo. Feche o armário, não se esconde o que se mostrará, acredite, se mostrará mesmo que não queiras. Amanhã nos encontraremos. Eu sei que nos encontraremos. Na hora de pentear os cabelos, nos encontraremos.....