A Escritora
Cap. I
Eu voltei. Treze míseros anos aos olhos do Senhor e séculos aos meus!Meu coração ainda dói...
As mesmas ruas banais, lojas populares, castelinho na esquina: já foi cinema, salão de bailes, bingo... Hoje está fechado. Já está sendo reformado. Parece um templo. Templo dos safados! Só ajudam a eles mesmos...
- Ah, quem eu sou? Desculpe-me. Laura Tempest, escritora, assassina e bruxa. Adoro o Sobrenatural. Aprendi a conviver com Ele...
Durante a reclusão, achei que tudo já se acabara. O amor, o prazer, o medo, o tesão... Mas não, eu me decidira, voltaria a ser eu mesma: poderosa, livre, autoritária vaidosa e Criativa. Chega de ostracismo. Quero Vida.
Gosto da noite e seus brilhos, sons, cheiros, pessoas.
Pessoas... tolas, não sabem de nada. Acham-se plenas, bem-sucedidas, cultas, intocáveis, superiores... Tolas.
A vida é uma grande tolice. Uma engrenagem. Um roteiro. Isso!
Toda criatura segue um roteiro!
Infelizmente eu descobri a sordidez dessa engrenagem da vida. O roteiro.
O meu roteiro? É uma verdadeira droga!
Cap. II
Estou ativa. Isso é bom! Estou do jeito que gosto. Sentada num bar. Uma cerveja. Uma agenda e caneta na mão. Barulho, vozes, histórias fragmentadas. 22 horas. O ambiente noturno me fascina! Vou ficar por aqui. " garçon, traz mais uma cerveja e o cardápio!" Tenho fome. Fome de tudo, de vida noturna, mistérios, perigos. Amo isso. Estou livre!
Livre por dentro e por fora. Voltei a fazer o que mais gosto na vida: criar meus personagens, ESCREVER! E vou fazê-lo agora...
" ... tivemos que aceitá-los! Eles chegaram aos poucos. Devagar. Lentamente. novos governantes! Sacanas como os demais. Achamos isso mesmo, bando de sacanas. Antes deles chegarem todos vivíamos bem. Loucamente, mas bem..."
Que fantástico, recomeçara a escrever meu livro ali, no bar mesmo! Olhei à minha volta preguiçosamente, feliz por estar novamente com inspiração...
Cap. III
Pedi um misto da casa: omelete de queijo, arrroz, feijão e salada. Que delícia! 23 horas. brisa boa, cerveja, sons. O aroma aguça minha fome. Vou jantar...
Cap. IV
Estômago cheio. Meu primeiro jantar gostoso depois do torvelinho maldito! Agora não sei se volto pro hotel ou dou um tempo por aqui, está tudo tão bom. Acho que vou escrever mais um pouquinho:
"... Zecão perambulava pelas ruas, resmungando: ' droga, como sobreviver a umas férias tão cacetes? Estou com o saco cheio dessa vida medíocre. preciso de algo mais forte do que alcool pra aguentar essa vida 'shit'. Um amigo me indicara onde arranjar um bagulho do bom e sem risco de overdose, acho que vou atrás! Estou um lixão mesmo - pouco dinheiro, amigos vagabundos, roupas suadas e surradas e sem mulher... eta droga!..." Pôxa, alguém discutindo.
Vou embora , mas estou feliz. Sou novamente uma escritora. Salve Laura Tempest - a renascida! disse a mim mesma.
Cap. V
Hotel e sossego. De repente a campainha toca. Eu pulei de susto, pois estava distraída escrevendo! Tocou longamente. Grito que já vou, pois meu pé adormecera. Silêncio. Olho mágico. Ninguém. Arrepio. Senti um mal-estar. Olho de novo. Nada. Não abri. Voltei para o computador e ao meu livro;
"... É isso mesmo, iria atrás daquele mano, pensou Zecão..."
Droga, uma hora na frente dessa frase e nada! Travei . Nenhuma palavra, nenhuma ideia. Vou desistir. Bateu a fome de novo. Vou pra rua...
Jeans preto, camisetão de renda preta, brincos de panô dourados, plataforma quinze realçavam meu 1,55m naturais. Falsa magra, cabelos ruivos e cacheados até os ombros, olhos azuis naturais também ( meu trunfo!), lápis preto, blush, batom vermelho, bag dourada. Um tipo. Gostava me ver me assim...
Pronto. Abro a porta. Surpresa. Que era aquilo? uma caixinha embrulhada em preto? Curiosidade a mil! Levo-a para dentro, rasgo o papel, abro-a. Sinto-me tragada pelo chão. Minha vista escurece. Passou a fome ...ânsia... como era possível???
Como aquele medalhão egípcio apareceu na minha porta? Não existiam duas peças iguais e o ourives que a fizera já estava morto! Minhas mãos tinham espasmos involuntários. Peguei o medalhão e pude sentir aquela conhecida vibração. Era o medalhão dele. Mas como? Olhei a peça minuciosamente. Não havia dúvida era o medalhão de Tiago! Como, eu não sei, nem por que. Apenas tenho certeza de que estava no pescoço de Tiago no dia da cremação de seu corpo!
Cap. VI
Tiago. 1,90m, cigano. Bandido de berço. Mas me conquistou. Perseguiu-me por dois meses, diariamente - flores, recados, cestas, até serenata cigana. Um show! Um show de bandido. Formamos uma dupla intrigante e fantástica, tipo Bonny e Clyde!
O tempo passou... perdeu a graça. O bandidão virou um doidão -alcool e coca -, não me deixaria ir embora, nunca. Então eu fiz. Cicuta! Mas eu ainda o amava... Malditas lembranças... por que tudo isso agora? Já não pagara minha dívida com a sociedade?
De repente ouço gritos desesperados:
" - Laura, pela última vez, desça pra jantar, garota! Até quando vai ficar isolada neste quarto, brincando de escritora famosa?
Esses adolescentes inventam cada uma..."
"_ Pô, mãe, já tô descendo, tô acabando de escrever esse capítulo, droga..."
(THERA LOBO - agosto de 2009)