LEMBREI DE VOCÊ
Encontrei um cara barbado hoje na rua, com bermuda, seus vinte e poucos anos, sorriso largo e roupa desalinhada. Lembrei tanto de você... quinze anos mais novo que eu, sem querer muito da vida além de aventura e o vento. Eu queria tudo e descobri contigo que o vento era o melhor negócio. Adorava andar do teu lado e fazer aquele casal típico do “nada a ver”. As pessoas olhavam, comentavam e acabavam aceitando dizendo “o quanto combinávamos”. É, de fato, a gente combinava mesmo. Nossa conversa seduzia todo mundo para ser meros expectadores, porque a gente não deixava ninguém falar.
Eu gostava de tudo em você, das suas opiniões, seu jeito amalucado, seu olhar caridoso e sensível, sua ingenuidade, seu fogo na cama. Até hoje eu não consigo entender como pude viver tanto tempo sem ter experimentado você. Eu, que deveria te ensinar os caminhos da vida, aprendi contigo que a vida tem caminhos tortos.
Cansei de parar o que estava fazendo porque senti o gosto de tua saliva naquela hora. Um gosto peculiar, açucarado. Eu lambi cada centímetro de sua boca e era realmente muito bom. Não tem mais uma roda de forró que eu não pare para olhar se você está por perto. Com aquele chapéu indefectível, ou o gorro, ou a calça de moletom rasgadinha do lado, com suas danças amalucadas e uma inebriante vontade de aparecer.
Eu me orgulhava de fazer parte de sua vida, de ser motivo de suas canções, de estar na sua dúvida, de te fazer tremer sempre que falava comigo. Acho que você treme até hoje.
Eu lembro de cada nota que você tocou para mim no violão e de sua gargalha desengonçada que assustava as pessoas e me fazia rir. Você sempre quis rebelar o mundo com essa gargalhada e eu estava com você nessa empreitada.
Agora lembro também que eu tinha você nas mãos e deixei cair num sopro. Das três tatuagens que fiz por você, uma delas com teu nome e que não sairam nunca do meu corpo. Como a marca que você deixou dentro de mim, arranhada com sua barba por fazer.
Isso é amor.