Causo do cheiro da linguiça.

Este é um causo que foi contado pela saudosa Dona Benta, de Pirenópolis, Goiás. Que o Deus dos Contadores de Causos a tenha, com muita deferência e carinho.

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Causo do Cheiro da Linguiça

Tava lá na beirada do caminho um caboco agachado perto duma fogueira. E pelo cheiro bão à ufa que vinha de lá, tava assando linguiça.

Nisso, vem vindo pela trilha outro caboco que, esfomeado, coitado, foi se aprochegando quase que contra a vontade.

Pára ali por perto, fica piruando um pouco, mas o da linguiça num fala nadinha, continua lá sem nem oiá pro recém-chegado.

Esse, já c'a boca salivando de tanta fome, resolve puxar conversa:

-- Ói, cumpanhero, eu tenho aqui um bocado de farinha... ocê tá sirvido?

O da linguiça, então, sem nada dizer, aceitou e apanhou uma mancheia no saco de farinha, ajuntou com a linguiça que tava mais assadinha e mandou pra dentro do bucho. E oferecer que é bão, nada...

O da farinha, então, tristinho, coitado, pegou por sua vez um punhado de farinha, deu uma fungada funda pra aspirar o cheirinho bão da linguiça e mandou cheiro e farinha pra dentro do bucho.

E nisso ficaram os dois, até que a linguiça terminou, sem que o da farinha tivesse provado uma lasquinha só, um tiquim que fosse.

Cabada a comida, foram-se os dois seguindo o caminho.

Não demorou muito, passaram pelo delegado da cidade, que andava por ali em diligência. O da linguiça, sem titubear, falou assim pra otoridade:

-- Seu dotô delegado, eu quero fazê uma quexa por furto.

-- Então faça, home.

-- Esse bandid'aqui -- e apontou pro da farinha -- comeu farinha com o cheiro furtado da linguiça que eu tava assano.

-- Ah, foi? -- e se virou pro outro e perguntou -- E o quê que ocê diz disso?

-- Ói, seu dotô, de fato, eu comi minha farinha pruveitano o cheiro da linguiça que ele tava assano. Mais ele tumém comeu da minha farinha, que eu sô inducado e ofereci. E nem assim esse marvado me deu nem um cisquim da linguiça dele!

O delegado levou um instante pensando. Depois tomou uma decisão. Virou pro da farinha e perguntou se ele tinha dinheiro. O da farinha respondeu que tinha um saquinho cheio de moeda e mostrou pro delegado, que garrou no saquinho e chacoaiô perto do ouvido do da linguiça. Adispois perguntou:

-- O quê que ocê ouviu?

-- O barúio do dinheiro chacoaiano.

Outra vez o delegado repetiu o gesto e a pergunta. E mais uma vez e mais outra e outras mais. E sempre o da linguiça respondia a mesma coisa.

Adispois disso, o delegado se deu por satisfeito e disse:

-- Pronto, tá tudo quites agora. O baruio do dinheiro dele pagô o cheiro da sua linguiça.

Ô, inda bem que inda tem justiça nesse mundo de Deus!