FOFOCA

Houve um tempo em que só era permitido à curiosidade humana observar o dia e a noite. Sol, dias cinzentos, chuvas, frio, calor, céu estrelado, luas em fases, marés subindo e descendo, água dos rios escorrendo de cima para baixo. O mistério era grande demais.

O homem no meio disso tudo era temeroso e reverenciador dos fenômenos naturais. Nada se podia contra a fúria da natureza, tudo se agradecia pelas suas generosidades climáticas. Coisas boas para a pele, para o estômago, para as vistas. Ficava sempre uma procura pelo “seu lugar” nessa confusa e maravilhosa vida mundana. Algo que a natureza “estragava” aqui, obrigava levas de homens a procurarem outras paragens onde a mansidão permitisse fazer suas atividades básicas à sobrevivência. E a curiosidade ia amontoando-se nas cabeças.

Bastou a invenção do fogo e depois da roda para descobrirem que dava para interagir com a natureza. Foram se satisfazendo as curiosidades pouco a pouco até chegarmos aos dias atuais, onde o mistério não é mais nada que a natureza faça. Hoje é o homem que faz para provar a ela que contra si não há natureza que resista. O todo poderoso é ele, o homem.

Os filósofos, que são nossos primeiros cientistas, usavam de metáforas na própria natureza para tentarem entender e explicar a vida, os seus ciclos e o seu significado. “Um rio não é o mesmo se o olharmos por duas vezes seguidas.” “Tudo muda o tempo todo”, “a única permanência é a mudança”, diziam uns. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”, retrucava outro (esse não era um filósofo oficial, mas funcionou como se fosse perfeitamente - conhece Shakspeare?).

À medida que ia descobrindo coisas, desmistificando fenômenos e dominando técnicas de controle, a satisfação de curiosidades, em vez de ir diminuindo, ia aumentando exponencialmente, de forma que nunca estarão satisfeitas totalmente, a julgar pelo jeito como vamos hoje em dia. Isso é muito bom por um lado. Somos mais autônomos, mais aventureiros, mais próximos do centro do universo, como é o desejo oculto de muita gente boa. Por outro lado, essa epopéia humana ganhou ares de luta contra o fenômeno natural e passou a precisar de vencedores. Isso é que danou tudo.

Cresce junto com a curiosidade, a cobiça e com ela, nasce a fofoca. Afinal, para haver vencedores, tem que haver vencidos. E os competidores tem que tirar os êmulos de seu caminho. Se não for para vencer, pelo menos para depreciar o concorrente. Que não vença o melhor, mas pelo menos que pareça que quem venceu é melhor, isso é o que importa se olharmos o atual estágio de nossa civilização.

A fofoca entendida como um conjunto de falar mal de tudo e de todos, de usar comparações invejosas de ascensão social, a fofoca com finalidades arrivistas, inescrupulosas. (Fico pensando se o conceito de ética não nasceu depois de muita fofoca que destruiu reputações) Aqui eu tenho que reduzir as instâncias de considerações filosóficas, senão essa crônica não vai acabar nunca..

Então, a fofoca serve aos impulsos realçadores de defeitos alheios, serve à exaltação de qualidades próprias (se existem ou não, é outra história). Serve para justificar uma patologia social chamada pelos eufemismos de apatia, conformismo, submissão, alteridade destruidora do outro.

Já disseram que a preguiça é a mãe do progresso, já disseram que a ciência á o motor da evolução humana. Eu digo que a fofoca é o obstáculo ao desenvolvimento evolutivo da alma humana.

ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 21/08/2009
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