Um vôo leve
Cissa de Oliveira
Eu sou um pouco daquele tempo em que, literalmente, as fotografias pesavam. Então, para aquela pilha de álbuns de fotografias, o meu olhar vazio...
O da Fotoptica tem a capa azul, recoberta por um leve ondeado de linhas amarelas - Capiti? -, e assim, insinua e convida ao movimento que, dentro do álbum, fatalmente, só aparece paralisado. Boa parte da pilha é da Curt: “especializada em Kodak, Fuji, Agfa e Curt” mesmo. Está escrito isso na capa, muito embora somente agora eu tenha me prendido a tal. Nestes, a estampa é justamente uma coleção breve de momentos felizes: algo como, bebê dormindo, bebê sorrindo, bebê brincando, bebê babando, bebê ao pôr do sol, ao lado de flores e até na praia, enfim, essas coisas para as quais toda pessoa tem, bem à superfície da memória, possíveis e até mesmo improváveis associações.
Mas o meu olhar pousou numa capa um tanto diferenciada e, por mais entediado, escarafunchou poesia na imagem que a estampava, que nada mais era do que a de duas garças empoleiradas na copa de uma árvore. E eu que jamais pensei que acharia graça no que quer que fosse empoleirado! Note-se que em nada disso eu pensava, muito menos no contraste dos corpos delas, muito brancos, contra o azul do céu. Na verdade, foi como se o perfil em "s" dos pescoços daquelas aves, acordassem em mim tão somente a lentidão que elas emanam. Por isso, nem se elas pudessem voar da imagem, me arrancariam do mergulho a que me levaram de início.
Depois, ato contínuo, eu me vi imaginando se haveria, por ali, um susto daqueles que, mesmo paralisado pela máquina de fotografar, pudesse me descompassar o coração, acender um sorriso, uma admiração, um penar? Ou um desenho de areia, uma dança de cabelo ao vento, a lembrança de uma música, de um perfume, de um amor do passado... E se isso pudesse despertar, tanto quanto as minhas insuspeitas caraminholas e, tal garça, num vôo muito leve, encurtasse e encurtasse o tempo, e tanto, até que se materializasse esse susto, novamente, rente ao presente.