Eu quero um amante

Eu quero um amante.

Eu quero um cara bem resolvido, de bem com a vida, simples. Inteligente, um pouco boêmio, que conheça os vinhos e os maltes e que goste de comer pistache. Quero um cara que esteja à vontade na sua pele, que jogue futebol com os amigos aos sábados, e que goste de tomar um choppe no bar da esquina. Quero um amante que use cachecol nas noites de frio e gola rolê. Quero um cara safado na cama, coerente no resto, seguro, sem neuras, sem filhos, sem ex-mulher, sem problemas.

Eu quero um amante.

Mas eu quero um amante aventureiro, para passear pelas ruas de Paraty de mãos dadas, incógnitos. E para escapar de vez em quando para uma pousada por dois dias. Não mais que isso. Eu quero um cara para discutir política, cinema, literatura. Para trocar livros, cds, e mensagens cheias de poesia por e-mail, letras de músicas. Homem do mundo, vivido, que fale várias línguas e entenda o que não pode ser dito. Que aprecie Cèzanne e o desconhecido. Que entenda das coisas que eu não entendo.

Eu quero um amante que me traga o sal da vida, e que me ensine a amar de maneira mais livre, leve, sem expectativas. Eu quero um amante que viaje com pouca bagagem. Alguém para pedir “room service” e se permitir o luxo de café da manhã de um hotel qualquer, sem me preocupar com o preço. Eu quero um amante para tomar champanhe e comer trufas. Um cara que me paparique, e que me acompanhe sem se impôr no meu dia-a-dia.

Eu quero um amante.

Eu quero um amante para beijar longamente, apaixonadamente, adiando pelo tempo que der a separação. Quero viver na esperança do próximo encontro, que pode nunca ser. Eu quero um amante para não ter que falar sobre o cocô do cachorro, sobre a empregada que queimou a camisa, sobre o que fazer com as crianças nas férias, sobre o que tem para o jantar. Com o meu amante a conversa será acerca do futuro que nunca será, e sobre o noticiário na tevê.

Eu quero um amante.

Eu quero um cara que me deseje e não me ame, eu quero um cara que me proteja mas só quando estou do seu lado. Eu quero um amante ciumento que finja que não o é; e que goste da minha companhia quando e como der. Eu quero um amante do qual eu me despeça sempre sem dizer adeus, que não me prenda, mas que me domine dentro de seus domínios. Um cara que não se submete, não se compromete.

Eu quero um amante.

Eu quero um amante que me despenteie, que me ensaboe no chuveiro e que depois me enxagüe devagarinho.

Eu quero um amante.

Mas eu quero um amante que não ameace o tênue equílibrio que consegui atingir na minha vida. E que não me faça abrir mão de nada do que tenho: minha estabilidade, meu marido, minha carreira, meus filhos, minha casa, minha família, minha liberdade, minhas crenças e preconceitos. Tudo aquilo que prezo.

Eu quero um amante porque cansei de me sentir amada. Eu quero um amante porque cansei de me sentir segura. Eu quero um amante porque cansei de ser eu.