MUTAÇÃO
A mulher na janela de um pequeno apartamento contempla a paisagem de sempre.
Telhados, gatos preguiçosos, choro de criança, barulho de carros, buzinas, tudo muito indiferente à sua solidão.
Dialoga silenciosa com seu eu interior:
- Onde estão todos?
-Nestes vinte anos eu os deixei partir. Muita coisa se foi em nome daquele amor impossível. Os amigos, a família, os dez irmãos, a minha cidadezinha, tudo eu deixei por ele. Mas nada adiantou. Naquela relação só eu amava. Agora me pergunto: por que não consegui?
-Não há nada a fazer. Nada lhe devolverá o tempo perdido, correndo atrás do vento.
A grande cama de casal a traz á realidade. Não será só a noite passada que dormiu sozinha. Muitas ainda virão.
- Sinto-me vazia, vazia, vazia. Perdi a grande batalha da minha vida. Mas este sentimento parece ser melhor que a angústia de antes. Eu ainda acredito em mim. Lutei todos esses anos cegamente contra tudo e todos. Agora vejo bem a realidade. Posso lutar ainda mais e melhor.
Veste-se e sai. O trabalho é a sua primeira promessa de realização.
Procura outra paisagem. Fénix.