O pipoqueiro do Caseb
Lendo algumas crônicas do Wilson Pereira, meu "conterrâneo" brasiliense, colega recantista e fornecedor de crônicas da melhor qualidade, viajei no tempo e na maionese. Revi a Brasília metrópole provinciana da minha adolescência e me lembrei de um causo que, se o meu vizinho Wilson, ou qualquer outra pessoa, já tiver publicado, me avisa que eu retiro.
* * *
Entre as várias lendas e folclores que Brasília já tem, apesar de ainda nem ter completado 50 anos, tem uma que eu me sinto confortável em falar, porque fui testemunha ocular e auricular do fato. É a história do pipoqueiro que vendia maconha na porta do Caseb (alguns diziam da Caseb).
Sinto desapontar os afeitos às lendas, mas é fato, aconteceu de verdade. Eu estudava lá.
Um fim de tarde daqueles bem típicos em pleno período de seca, em que você se sente como se estivesse numa espécie de limbo, tava a molecada saindo da escola que nem morto-vivo, só querendo chegar logo em casa, quando rolou o bochicho -- sirenes, freadas, luzes piscantes e faiscantes, homens de farda, comandos altos e sonoros em ação... e lá se vai nosso pipoqueiro, preso em grande estilo!
Alegação: vendia maconha pras criancinhas inocentes.
Meu queixo caiu!
O meu e de mais uns 300 moleques, porque a gente nem desconfiava que o cara vendia algo além de pipoca.
Cabreira e descolada, fui perguntar prum chapa que eu sabia ser amigo de um baseadinho, se a denúncia procedia.
Procedia. Mas era na maior discrição... tanto é que nem eu, nem ninguém que não fosse do ramo (sem trocadilho), sabíamos disso.
E que eu saiba, ele jamais me vendeu -- ou pra qualquer conhecido meu -- pipoca de maconha, ou pipoca com maconha, ou baseado triturado em vez de sal na pipoca, ou maconha derretida no lugar da manteiga. Pelo menos as pipocas que comi tinham cheiro e sabor de pipoca. Com manteiga e sal. Substâncias perfeitamente legais, encontráveis em qualquer cozinha doméstica e domesticada. Porque naquele tempo não existia colesterol nem pressão alta.
Aliás, ele tampouco nos ofereceu as famosas -- e jamais vistas -- balinhas de maconha, com o fito torpe e pérfido de viciar os infantes incautos.
Eu tenho mesmo essa cara de viajandum, é de nascença. Não foi efeito da pipoca nem da balinha jamais vista ou chupada.
Não me lembro se este pipoqueiro voltou ou não. É pouco provável, tempos muito duros. Mas me lembro com certeza de que os outros fornecedores de coisas que não eram pipoca, que, naturalmente, nada -- frisa-se: nada -- tiveram a ver com a prisão do pobre do concorrente, sendo um deles fardado, embora do baixo clero, e o outro filho de Alguém, do Alto Clero, continuaram tocando os seus negócios com muita calma e tranquilidade...
Aí já não era mais segredo pra ninguém, embora não houvesse um que tivesse coragem de dizer isso mais alto do que um sussurro.
Perigava amanhecer sendo despejado do opalão branco no cerrado lá pras bandas da Barragem do Descoberto, pra lá da Ceilândia, e descobrir que tinha morrido. Tempos muito duros.
O tempo passou, o Caseb mudou, a gente cresceu... e uma noite no Beirute ouvi um grupo animado numa mesa próxima -- quiçá estivesse lá você, Wilson? -- discutindo acaloradamente se esse causo era lenda ou era verdade.
Não passou muito tempo, li sobre isso num artigo de um importante jornal do sudeste maravilha, dentre uma lista de outros mitos fatológicos de Brasília. Depois ouvi e li referências a este episódio em zil lugares diferentes. E ontem li num site estrangeiro! Provavelmente um recuerdo de algum filho de diplomata ou algo do gênero, que morou por aqui naquela época. Engraçado como essa historinha rendeu e caiu no gosto dos jornalistas, quando eles precisam tapar algum buraco na publicação (como se faltasse assunto)!
Em tempo, não assino embaixo desta crônica e não me comprometo, porque os eflúvios da marofa do tema podem ter afetado meu senso de percepção da realidade. E a minha noção de perigo.
Esta crônica se autodestruirá em 5 segundos.
Sem contagem regressiva.