O nosso amor a gente inventa
Assisti, dia desses, ao filme nacional “A Mulher Invisível”, com Selton Mello e Luana Piovani nos papéis principais.
Pedro, após sofrer uma decepção amorosa e entrar em depressão, conhece Amanda, uma bela mulher que faz com que ele recupere sua autoestima, seus amigos e seu emprego.Tão perfeita a mulher que adora uma faxina, entende tudo de futebol, é louca por sexo, só existe na imaginação dele: ela é, literalmente, invisível.
Embora seja uma comédia romântica e eu tenha dado algumas risadas durante a exibição, saí do cinema bastante reflexiva.Lembrei-me dos versos de Cazuza: “O nosso amor a gente inventa /pra se distrair/ e quando acaba a gente pensa/que ele nunca existiu”. É possível inventar amores, amizades, bens, apenas para se distrair ou por que, para muitos, é preciso fazer tal coisa para provar que se está vivo?
O personagem inventa a mulher perfeita; a solidão é a principal motivação para que isso ocorra.Pode-se conviver com alguém de carne e osso e inventar predicados inexistentes para essa criatura imaginária;torná-la invisível também: ninguém a vê como você a vê.
Minha irmã foi casada durante mais de vinte anos com uma pessoa que estava muito distante do modelo de perfeição que ela apregoava incansavelmente para o mundo: ela repetia para si e para os outros que meu cunhado era um bom marido.Ele não era.
Só depois da morte dele, é que ela se convenceu que “mentir para si mesmo é sempre a pior mentira”.Descobriu isso junto com um namorado que a faz, hoje, verdadeiramente feliz.
Nas relações virtuais –sejam elas motivadas pela amizade ou pela paixão - as pessoas podem ser, também, idealizadas. A pessoa do outro lado da tela do computador transforma-se em um ser sensível, compreensível na velocidade de um download.Não que ela não possa ser assim.Claro que pode.Contudo, os defeitos são vendados aos olhos do idealizador.E quem pôs a venda foi a própria pessoa, por vontade própria.
Num documentário sobre “Fidelidade e Traição”, do Globo Repórter, uma mulher de sessenta anos, casada há quase quarenta, descobriu que o marido tinha uma amante virtual há anos, com quem trocava, incansavelmente, vários e-mails por dia. O comportamento do homem havia mudado: antes, um homem carinhoso, estava seco e distante.
Ele planejava viajar com a amante num cruzeiro marítimo que nunca deu certo.O psiquiatra Antônio Mourão Cavalcante, acredita que não era à toa que os planos de encontro davam errado: "A coisa se passava, sobretudo ao nível do imaginário, porque cada vez que eles eram convidados ou que eles se programavam para tornar aquilo real, alguma coisa acontecia, talvez por eles próprios, para que aquilo não se concretizasse”.
Penso que nem o marido, nem a amante estavam dispostos a tornar visível aquela pessoa tão perfeita aos olhos.Ter de desmoronar um castelo (ainda que seja de areia), requer ação.
Como o protagonista da película, descobrir a invisibilidade do outro é dolorido, porque a pessoa questiona a sua própria existência, afinal, ela precisa do outro para existir. “O teu amor é uma mentira que minha vaidade quer”, cantou Cazuza.
Filhos-problema tornam-se igualmente invisíveis diante de pais superprotetores.A falta de limites aliada à permissividade é um problema gritante.Quantos assaltos a condomínios de alto luxo não são liderados por jovens de classe média alta? E quanto aos filhos de juízes que ateiam fogo em índios e mendigos?
Talvez o filme não passe de uma comédia romântica para comer com pipoca e refrigerante.Talvez.Mas valendo-me de Renato Russo, eu digo que “às vezes o que eu vejo, quase ninguém vê”.
(Maria Fernandes Shu – 18 de agosto de 2009)